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A paciência democrática do Brasil

É inegável que existe um ponto de crise na democracia venezuelana. Entretanto, não se mostra como uma crise sem saída

Por Fabrício H. Chagas Bastos e Sean W. Burges
Atualização:

O tumulto político na América Latina tirou poucos dias de folga. A exata medida do pulo de 2015 para 2016. Venezuela, Argentina, Brasil, apenas para citar os casos mais conhecidos. Honduras e outros menos visíveis continuam a preocupar.

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O caso venezuelano se agudiza mais e mais a cada dia. O choque político entre governo e oposição se espalha pelas instituições do país. A Suprema Corte indicou que todas as decisões da Assembleia Nacional, renovada em dezembro último, serão anuladas até que os quatro deputados (1 governista e 3 de oposição) sejam formalmente destituídos de seus cargos. O contra-ataque da Assembleia Nacional, de maioria oposicionista, veio rápido: ameaçam rever a nomeação de 13 juízes da Corte apontados por Nicolás Maduro no apagar das luzes de 2015.

Enquanto PSUV e MUD se digladiam, os vizinhos manifestam-se de maneira tímida. Depois de Macri subir o tom sobre as eleições na Venezuela - mesmo antes de tomar posse -, e recuar depois que as eleições na Venezuela transcorreram dentro de alguma normalidade, Paraguai e Uruguai propuseram na Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul (19 de dezembro) um mecanismo de aceleração das punições para aqueles que violarem a Cláusula Democrática - a Chancelaria paraguaia, em especial, mira a Venezuela, depois de o país ter sido suspenso do bloco em 2012.

Vozes na imprensa e na academia brasileira que cobram uma postura mais agressiva, firme, ativa, quase ao ponto de pedir uma intervenção brasileira na política do vizinho, não levam em consideração que do ponto de vista brasileiro, o tumulto dos últimos meses é parte do processo natural de realização e consolidação de um regime democrático.

Direto ao ponto, em termos da política externa, qual deveria ser o papel do Brasil nesta crise?

É preciso ter em mente que a instabilidade econômica é a criadora de toda a contenda política. A Venezuela enfrenta problemas econômicos estruturais, como inflação de 159% e uma queda acentuada do valor do petróleo. Também, os problemas políticos não são frutos de um novo governo, mas sim da necessidade de acomodação das forças entre o governo e a nova Assembleia Nacional.

Em 5 de janeiro, Dilma Rousseff mandou recado duro e claro ao vizinho: “não há lugar, na América do Sul do século 21, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito”. Diferente do que boa parte da impressa noticiou, este tipo de abordagem faz parte do esforço de política externa brasileira que já dura mais de 25 anos, e que busca promover e aperfeiçoar a democracia na América Latina. A coleção de exemplos é vasta. O Brasil tem se empenhado em garantir o direito de livre escolha e o respeito formal às instituições ao longo do continente. 

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É inegável que existe um ponto de crise na democracia venezuelana. Entretanto, não se mostra como uma crise sem saída. Os exemplos do Afeganistão, Iraque e Haiti mostram que o único caminho para forjar regimes democráticos sustentáveis é aumentar a capacidade de negociação e confiança entre os grupos concorrentes.

O que precisamos na Venezuela é a volta da vontade política. Negociar, falar, fazer compromissos para fazer avançar o país. Intervenções não são necessárias, mas bons amigos, sim.

* Fabrício H. Chagas Bastos é professor de Relações Internacionais e Estudos Latino Americanos da School of Politics and International Relations da Australian National University e Research Fellow do Australian National Centre for Latin American Studies da mesma instituição, e doutor pela USP

* Sean W. Burges é professor de Relações Internacionais da School of Politics and International Relations da Australian National University e vice-diretor do Australian National Centre for Latin American Studies da Australian National University e autor do livro “Brazilian Foreign Policy After the Cold War”  

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