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Aldeia ganha cubano, mas ainda perde em estrutura

Distrito tem médico, mas faltam remédios; trata-se diarreia, mas não há água potável

Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

TABATINGA (AM) - Na beira do Rio Solimões, escondidos no meio da Amazônia, a duas horas de barco da cidade mais próxima, Tabatinga, no Amazonas, crianças, adultos e idosos da Aldeia Palmares se reúnem para a chegada de um convidado ilustre. Na mesa preparada no centro da tribo da etnia Tikuna, a maior do Brasil, a fartura de peixes e frutas da região deixa claro o quanto o visitante é bem-vindo. Esta sexta-feira foi dia de visita do médico cubano Gustavo Vargas Ramirez, de 50 anos.

Distrito Sanitário Especial passou a ter plantonista Foto: Hélvio Romero/Estadão

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Ele foi levado à floresta por meio do programa Mais Médicos para viver e clinicar em comunidade indígena. A fila de pacientes se forma e começam os atendimentos. A satisfação em ter, pela primeira vez, um médico fixo começa a se misturar com queixas por melhoria em infraestrutura. Se agora a comunidade tem um médico, ainda falta no polo de atendimento soro contra picada de cobras, problema comum na região. Se hoje há tratamento para diarreia e parasitoses, a falta de água potável ainda torna difícil a prevenção desse tipo de doença.

A situação, observada pelo Estado em visita a aldeias do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Solimões, reflete êxitos e problemas do Mais Médicos. Ao mesmo tempo em que levou as ações de atenção básica, o programa evidenciou a necessidade da melhoria dos demais serviços públicos.

Formado por 189 aldeias e 55 mil índios, o DSEI Alto Solimões hoje tem 25 médicos - 16 cubanos. Embora o distrito já tivesse nove médicos brasileiros antes da chegada dos estrangeiros, nenhum deles ficava fixo na comunidade. “Eles fazem visitas, mas não moram na aldeia, por causa da distância, então não ficava um médico de plantão”, diz Weydson Gossel Pereira, coordenador do DSEI. Em todo os 34 DSEIs espalhados pelo Brasil, são 294 médicos do programa, o que fez o número de doutores saltar de 205 para 499 entre 2013 e 2014.

Rotina. O alojamento do cubano Ramirez fica na Aldeia Belém do Solimões. Ela foi escolhida para receber o polo base de atendimento. No local, ficam também enfermeiros, dentistas, farmacêuticos, além dos serviços de laboratório e vacinação. “Eu fico 15 dias direto na aldeia e passo os outros 15 dias do mês em Tabatinga, quando vem o meu outro colega cubano. Fazemos esse sistema de revezamento”, conta ele, que divide o quarto com outros três integrantes da equipe de saúde.

Médico há 20 anos, ele já trabalhou na Gâmbia e na Venezuela. A diferença de idiomas não é problema. Quando necessário, os agentes de saúde locais, que são indígenas, fazem a tradução do tikuna para o portunhol, como foi o caso do atendimento ao paciente Alcides Tawana Ipuchima, de 68 anos, que não fala português, nesta sexta-feira. “Estou com tosse há semanas, dor no peito. Antes de ter esses médicos, a gente morria aqui, porque não tinha atendimento”, diz ele. 

Falhas. Os maiores desafios apontados tanto pelo cubano quanto pelos pacientes são as falhas nos serviços de apoio à atenção básica. “Faltam medicamentos no polo. Se uma pessoa é picada por cobra, ou a gente tem de usar remédio caseiro ou tem de ir para Tabatinga, que fica a mais de duas horas de barco. Também não temos água potável nem poço”, reclama Enilzomar Fapá Coelho, de 38 anos, conselheiro indígena.

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O cubano aponta os mesmos problemas e se queixa ainda da dificuldade em encaminhar pacientes para serviços de média e alta complexidade. “Mesmo em Tabatinga, não há médicos de várias especialidades básicas, como cardiologista, neurologista, psiquiatra, urologista. Nesse caso, tem de encaminhar para Manaus, que fica a mais de mil quilômetros daqui, são três dias de viagem de barco.”

Pereira afirma, porém, que a chegada de médicos aos distritos indígenas têm impacto nos indicadores de saúde. “Já percebemos a redução do número de encaminhamentos para especialistas, por exemplo. Antes, como não tinha médico nenhum, qualquer problema de saúde que o indígena tinha era encaminhado para a cidade. E eles nem sempre aceitam sair da comunidade, acham que serão maltratados na cidade. Ter um médico na aldeia faz toda a diferença”, afirma Pereira.

Outro lado. O coordenador do DSEI afirma que será entregue em dezembro obra que vai levar água potável para a maior aldeia do polo Belém do Solimões. Sobre o soro antiofídico, ele diz que os médicos do programa estão em fase de orientação para iniciar a aplicação do medicamento nas próprias aldeias.

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