Análise - A cartada da vez, o crédito

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Por Igor Rocha
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Análise publicada originalmente no Estadão Noite Após um tombo próximo a 4% em 2015, analistas de mercado preveem que o PIB brasileiro possa registrar uma retração de 3% em 2016. Neste cenário, em que a economia patina diante de sucessivas políticas duvidosas e um cenário internacional adverso, as taxas de investimento e desemprego têm preocupado os formuladores da política econômica. Ademais, o atual patamar da inflação e o déficit nominal crescente têm adicionado elementos de difícil equacionamento. Nesse cenário, quais políticas poderiam ser implementadas para reativar a economia? A resposta não é simples diante de um problema extremamente complexo.  Pelo lado fiscal, o ajuste feito em um ambiente de deterioração das expectativas, oriunda de uma grave crise política e arrefecimento da demanda externa, apenas serviu para dar força a uma preocupante crise econômica. Pior, a forte queda da receita decorrente da contração da demanda agregada comprometeu a capacidade de equacionar a relação dívida/PIB. Nesse processo, a retomada do crescimento via investimento público pode ter sido comprometida. Isto porque a capacidade do investimento público de induzir e encorajar o investimento privado talvez seja menor no atual cenário, uma vez que o chamado "estado de expectativas" dos empresários está em um momento fortemente "baixista". Ademais, a atual situação em que se encontram as grandes empreiteiras nacionais - investigadas pela Operação Lava Jato - nos leva a crer que uma política expansionista via projetos de infraestrutura, apesar de extremamente necessários, também se encontra afetada. Na política fiscal expansionista - via investimento público -, caso o PIB não cresça mais que proporcionalmente do que o aumento da dívida pública, a situação fiscal poderá se agravar ainda mais.  Pelo lado da política monetária, a queda dos juros poderia ser a saída. No entanto, o mercado financeiro não parece estar convencido de que o alto patamar das taxas de inflação nos últimos meses tenha se dado pelo lado da oferta, ou seja, repasse dos preços administrados e desvalorização cambial. Esquecem que aumentos das taxas de juros servem particularmente para inflação de demanda, pelo menos, no curto prazo. Os atuais patamares da taxa básica de juros (Selic) e de inflação deveriam servir didaticamente para mostrar isso. Nesse ambiente, em que o governo trabalha para ganhar legitimidade e apoio, ações que não sejam consenso no establishment econômico tendem a ser evitadas pelos policy makers e, consequentemente, o leque de opções da política econômica torna-se bastante reduzido. Assim, diante do cenário acima descrito, esta semana o governo propôs uma nova alternativa para reativar a economia. A cartada da política econômica agora seria o aumento do crédito. Devem ser liberados até R$ 83 bilhões em linhas de crédito do Banco do Brasil, BNDES e Caixa (incluindo recursos do FGTS) no esforço de retomada dos investimentos e crescimento da economia. Setores como habitação, agricultura, infraestrutura, exportador e bens de capital seriam os principais beneficiados. Ademais, seria reaberta a linha de capital de giro do BNDES com garantia do FGI (Fundo Garantidor para Investimentos) e redução da taxa de juros. A novidade foi a autorização do uso da multa e de parte do saldo do FGTS como garantia de crédito consignado para trabalhadores do setor privado demitidos sem justa causa.  É sabido que a expansão do crédito público vai à contramão do que tem sido registrado na carteira de crédito dos bancos privados. Diante da forte queda da demanda doméstica, em 2015 o estoque da carteira de crédito dos bancos comerciais domésticos sofreu uma retração de 0,8%, caindo para R$ 945,110 bilhões. Num ambiente de forte retração da economia, empresas têm encontrado dificuldades para financiar o fluxo de caixa, mantendo investimentos a níveis irrisórios. Nesta dinâmica, a atual demanda por crédito tem sido encabeçada especialmente por reestruturações e renegociações. A atual política creditícia pode ser uma importante via de aquecimento da economia, no entanto, principalmente se for absorvida para além da recomposição do fluxo de caixa, ou seja, resultar em novos investimentos. Diante da rigidez da atual conjuntura adversa, não há outra forma de se saber o êxito de tal política a não ser tentando. Como dito pelo ministro da Fazenda Nelson Barbosa, "vamos levar o cavalo à água para ver se ele quer bebê-la", ao citar um ditado que afirma que você pode levar o cavalo à água, mas não pode forçá-lo a beber.* Igor Rocha, economista e PhD pela Universidade de Cambridge, é atualmente pesquisador do Centre of Development Studies da Universidade de Cambridge e membro da Cambridge Society for Social and Economic Development. E-mail: igorlr3@yahoo.com.br

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