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Análise - Condução coercitiva é ato de exceção

Texto publicado originalmente no Estadão Noite

Por Miguel Pereira Neto
Atualização:

Seis da manhã e a Polícia Federal se encontra apta ao cumprimento de mandados de busca e apreensão, prisões temporárias, preventivas e conduções coercitivas, em diversos locais, diferentes Estados, com efetivo de centenas de agentes, delegados, viaturas, helicópteros, armamento pesado, enfim, tudo decidido como necessário para assegurar a eficácia das medidas cautelares para a persecução de provas a instruir o oferecimento de denúncia contra os acusados.  Por outro lado, encontram-se em suas residências os alvos dos mandados: pessoas humanas recém-acordadas não representam perigo, nem tampouco estão cientes do objeto da investigação, da qualidade de seu depoimento (como testemunha ou investigado), pois não tiveram vista do procedimento instaurado.  Os policiais 'convidam' a pessoa a se dirigir naquele momento à delegacia para prestar depoimento, sob pena de, não o fazendo, ser operada a já autorizada condução coercitiva, meio legalmente conferido à autoridade para fazer comparecer aquele que injustificadamente desatendeu prévia intimação, ou seja, na hipótese de ausência imotivada de comparecimento ou desobediência à intimação.  Os dispositivos legais que cuidam da negativa de comparecimento autorizam a condução coercitiva, seja de vítimas, de testemunhas, de acusados, de peritos e mesmo de adolescentes, todos seguramente aplicáveis à etapa preliminar de persecução penal.  Todavia, todos os dispositivos de lei pressupõem o desatendimento de intimação prévia, com prazo, data designada, ciência do acusado, devendo ser apreciadas pelo magistrado as garantias fundamentais da dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança, da liberdade de locomoção, haja vista a possibilidade de a polícia se utilizar da violência física e psicológica para conduzir sujeitos de direito e a ameaça ou lesão desses direitos.  A finalidade das medidas foi justificada pela autoridade policial ao magistrado, representa apuração de infração penal grave e respectiva autoria, procedimento destinado a fornecer ao órgão de acusação elementos de prova suficientes à propositura da ação penal e futura condenação. Afinal, ninguém mais neste país suporta tamanha corrupção. Mas os fins não podem justificar os meios. Não pode o magistrado, a autoridade policial ou o Ministério Público praticar o ilegal, o excessivo, o desproporcional a justificar a busca de provas, por mais grave seja o ilícito. A constitucionalidade do meio utilizado pela autoridade policial, da condução coercitiva, autorizada pelo magistrado, sem o prévio descumprimento, representa ato de exceção, e desproporcional, muitas vezes utilizado por regimes autoritários, como a experiência já mostrou à nação brasileira. Na verdade, o ato da condução coercitiva, sem prévio descumprimento, representa decreto de prisão temporária travestido, desnecessário e inútil, mormente por ser garantido o direito de permanecer em silêncio quando da oitiva (art. 5º, LXIII), a não produzir prova contra si próprio (normativaprevista no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, art. 8º, § 2º, "g", da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), art. 14, n. 13, "g" do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e art. 186, do Código de Processo Penal. O silêncio no inquérito policial não tem valor probatório, não implica confissão, não agrava nem atenua a situação dos possíveis envolvidos na infração penal. Por outro lado, o conhecimento prévio do objeto e do teor da investigação e da acusação é direito inafastável ao investigado em respeito ao direito fundamental a ampla defesa.  Assim, a pergunta mais ouvida na data de hoje e nos últimos meses: é lícito, é constitucional o ato perpetrado pela autoridade policial de coerção a uma pessoa identificada e conhecida, forçando-a, constrangendo-a a sair de sua residência ou trabalho ou onde se encontrar naquele momento, sem intimação prévia, e conduzi-la a uma delegacia de polícia para depor, em contrapartida ao direito de permanecer em silêncio? A razoabilidade, o respeito à dignidade da pessoa humana, ao devido processo legal, às garantias fundamentais, o Estado Democrático de Direito respondem: NÃO. Trata-se de medida desnecessária e inútil, a qual deve ser praticada em casos excepcionalíssimos. Se o magistrado entende presentes os requisitos para o decreto de prisão temporária ou preventiva, que fundamente sua decisão e o faça. Mas, realizar de modo transverso ato de restrição de liberdade se mostra impensado e ilegal, passível de reversão pelas instâncias superiores. A Constituição da República, ao permitir ao acusado calar-se diante da autoridade ou do juiz, demonstra que o interrogatório não é imprescindível para o deslinde da causa, devendo o investigado ou réu, desde que devida e previamente intimado, arcar com o ônus processual da faculdade de seu não comparecimento.

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Seis da manhã e a Polícia Federal se encontra apta ao cumprimento de mandados de busca e apreensão, prisões temporárias, preventivas e conduções coercitivas, em diversos locais, diferentes Estados, com efetivo de centenas de agentes, delegados, viaturas, helicópteros, armamento pesado, enfim, tudo decidido como necessário para assegurar a eficácia das medidas cautelares para a persecução de provas a instruir o oferecimento de denúncia contra os acusados.  Por outro lado, encontram-se em suas residências os alvos dos mandados: pessoas humanas recém-acordadas não representam perigo, nem tampouco estão cientes do objeto da investigação, da qualidade de seu depoimento (como testemunha ou investigado), pois não tiveram vista do procedimento instaurado.  Os policiais 'convidam' a pessoa a se dirigir naquele momento à delegacia para prestar depoimento, sob pena de, não o fazendo, ser operada a já autorizada condução coercitiva, meio legalmente conferido à autoridade para fazer comparecer aquele que injustificadamente desatendeu prévia intimação, ou seja, na hipótese de ausência imotivada de comparecimento ou desobediência à intimação.  Os dispositivos legais que cuidam da negativa de comparecimento autorizam a condução coercitiva, seja de vítimas, de testemunhas, de acusados, de peritos e mesmo de adolescentes, todos seguramente aplicáveis à etapa preliminar de persecução penal.  Todavia, todos os dispositivos de lei pressupõem o desatendimento de intimação prévia, com prazo, data designada, ciência do acusado, devendo ser apreciadas pelo magistrado as garantias fundamentais da dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança, da liberdade de locomoção, haja vista a possibilidade de a polícia se utilizar da violência física e psicológica para conduzir sujeitos de direito e a ameaça ou lesão desses direitos.  A finalidade das medidas foi justificada pela autoridade policial ao magistrado, representa apuração de infração penal grave e respectiva autoria, procedimento destinado a fornecer ao órgão de acusação elementos de prova suficientes à propositura da ação penal e futura condenação. Afinal, ninguém mais neste país suporta tamanha corrupção. Mas os fins não podem justificar os meios. Não pode o magistrado, a autoridade policial ou o Ministério Público praticar o ilegal, o excessivo, o desproporcional a justificar a busca de provas, por mais grave seja o ilícito. A constitucionalidade do meio utilizado pela autoridade policial, da condução coercitiva, autorizada pelo magistrado, sem o prévio descumprimento, representa ato de exceção, e desproporcional, muitas vezes utilizado por regimes autoritários, como a experiência já mostrou à nação brasileira. Na verdade, o ato da condução coercitiva, sem prévio descumprimento, representa decreto de prisão temporária travestido, desnecessário e inútil, mormente por ser garantido o direito de permanecer em silêncio quando da oitiva (art. 5º, LXIII), a não produzir prova contra si próprio (normativaprevista no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, art. 8º, § 2º, "g", da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), art. 14, n. 13, "g" do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e art. 186, do Código de Processo Penal. O silêncio no inquérito policial não tem valor probatório, não implica confissão, não agrava nem atenua a situação dos possíveis envolvidos na infração penal. Por outro lado, o conhecimento prévio do objeto e do teor da investigação e da acusação é direito inafastável ao investigado em respeito ao direito fundamental a ampla defesa.  Assim, a pergunta mais ouvida na data de hoje e nos últimos meses: é lícito, é constitucional o ato perpetrado pela autoridade policial de coerção a uma pessoa identificada e conhecida, forçando-a, constrangendo-a a sair de sua residência ou trabalho ou onde se encontrar naquele momento, sem intimação prévia, e conduzi-la a uma delegacia de polícia para depor, em contrapartida ao direito de permanecer em silêncio? A razoabilidade, o respeito à dignidade da pessoa humana, ao devido processo legal, às garantias fundamentais, o Estado Democrático de Direito respondem: NÃO. Trata-se de medida desnecessária e inútil, a qual deve ser praticada em casos excepcionalíssimos. Se o magistrado entende presentes os requisitos para o decreto de prisão temporária ou preventiva, que fundamente sua decisão e o faça. Mas, realizar de modo transverso ato de restrição de liberdade se mostra impensado e ilegal, passível de reversão pelas instâncias superiores. A Constituição da República, ao permitir ao acusado calar-se diante da autoridade ou do juiz, demonstra que o interrogatório não é imprescindível para o deslinde da causa, devendo o investigado ou réu, desde que devida e previamente intimado, arcar com o ônus processual da faculdade de seu não comparecimento.

* Miguel Pereira Neto é presidente da Comissão de Estudos sobre Corrupção, crimes econômicos, financeiros e tributários do IASP

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