Análise - Defendendo o indefensável

A contínua elevação da temperatura política revela um sistema político relutante, incapaz de resolver de forma tempestiva o impasse institucional que paralisou o País. A exaustão, deve-se ressaltar, decorre dos vícios e práticas políticas pouco republicanas que têm contaminado o sistema político desde o final do século XIX, como o populismo, demagogia, patrimonialismo, corporativismo e corrupção. É relevante destacar que essas lideranças que operam o atual sistema político, incrustadas ou orbitando em torno do poder, ocupam o topo da pirâmide, tanto no poder Executivo como no Legislativo, bem como na direção dos partidos políticos que dão sustentação política ao governo Dilma no Congresso Nacional.  As revelações diárias da Operação Lava Jato, por sua vez, mostrando os malfeitos dos governantes e políticos que estão dentro e fora do governo, envolvidos na rapinagem da Petrobrás, elevaram o nível de desconforto dos brasileiros de bem para um patamar insuportável. A população encontra-se indignada e envergonhada, conforme revelam as pesquisas de opinião e as manifestações nas redes sociais, com a forma como a presidente Dilma vem governando o País. Verifica-se que apesar da reprovação popular, as principais forças políticas insistem em continuar se digladiando pelo controle do Estado. É oportuno lembrar que uma parcela significativa dos líderes que controlam o atual sistema político está ameaçada pelas investigações da Lava Jato, evidenciando nas suas atitudes que estão lutando em causa própria, motivados por interesses pessoais inconfessáveis.   Os fatos e eventos ocorridos nesta semana confirmam esses argumentos. As dificuldades para a presidente Dilma começaram na terça-feira, 29, com o desembarque do PMDB da base de sustentação política do governo, às vésperas da votação no Congresso do processo que pede o seu impeachment. Diante desse quadro desfavorável, o Palácio do Planalto, conforme vem sendo noticiado pela mídia, sob a alegação de que está promovendo uma 'repactuação' do governo, está realizando um inusitado 'leilão de cargos' no primeiro, segundo e terceiro escalação da administração pública federal para cooptar partidos e parlamentares, no atacado e no varejo, que se posicionem contrários ao impeachment. Esse modo reprovável de agir dos detentores do poder, que desconsideram as manifestações populares e conflitam com o funcionamento de um país democrático, mostra o elevado nível de deterioração política e ética do governo Dilma.  Observa-se, enquanto isso, que os trabalhos da comissão especial da Câmara dos Deputados, que analisa o processo de afastamento de Dilma, estão avançando de maneira célere. Na quarta-feira, 30, os membros a comissão ouviram dois signatários do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Júnior e Janaína Pascoal. Naquela ocasião, eles reafirmaram que as irregularidades ocorridas nas operações contábeis denominadas 'pedaladas fiscais' e operações de crédito entre a União e bancos públicos teriam produzido uma falsa sensação de tranquilidade financeira, que não corresponderia à realidade dos fatos. Esse artifício teria influenciado o resultado da campanha presidencial de 2014.   No dia seguinte, foi a vez da comissão ouvir a defesa de Dilma, feita pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e pelo jurista Ricardo Ribeiro. Barbosa negou irregularidades na edição de decretos suplementares editados pela presidente Dilma Rousseff e nas chamadas 'pedaladas fiscais'. Os argumentos usados pelos defensores de Dilma, de que a presidente cumpriu as exigências feitas pelo TCU, se revelaram pouco consistentes. O fato do Congresso ter aprovado posteriormente a alteração da meta fiscal não isenta a presidente do crime de responsabilidade, pois o crime foi cometido no momento em que os decretos foram expedidos, feitos à revelia do Parlamento, que modificaram o superávit primário, contrariando a meta definida pela Lei Orçamentária.  As dificuldades de Dilma e Lula se agravaram nesta sexta-feira, 1, com a deflagração da 27ª fase da Operação Lava Jato, que investiga os beneficiários dos recursos de um empréstimo fraudulento no valor de R$ 12 milhões, que o pecuarista José Carlos Bumlai obteve junto ao Banco Schahin em outubro de 2004. Esse empréstimo bancário, segundo Bumlai, foi feito para quitar dívidas de campanha do PT e 'caixa 2'. A sua quitação ocorreu com a contratação fraudulenta do Grupo Schahin, como operador do navio-sonda Vitória 10.000, no valor de US$ 1,6 bilhão, pela Petrobrás, em 2009. Um dos beneficiários do esquema foi o empresário Ronan Maria Pinto, que recebeu R$ 6 milhões. Observa-se que essa fase da Lava Jato estabelece uma conexão entre os escândalos do mensalão e do petrolão, além de trazer à baila o nebuloso caso da morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), assassinado em 2002. Esses fatos contribuem para enfraquecer ainda mais Lula e a presidente Dilma, que se encontra à frente de um governo paralisado pela crise política.   É preciso alertar, diante desse cenário instável, para os riscos de uma desestabilização da democracia em função do crescente agravamento da crise institucional, na qual os detentores do poder estão sinalizando que estão dispostos a radicalizar caso a presidente Dilma seja afastada democraticamente do cargo pelo processo de impeachment. O processo de radicalização política no País decorre de um exacerbado inconformismo da mandatária, que se encontra numa posição política incômoda, acuada pelo caos que instalou na economia, pela crise ética, pelo processo de impeachment e pela falta de apoio popular, conforme revela a recente pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha (20/03), sobre o seu governo. Os índices da pesquisa mostram que entre os que avaliavam o governo, apenas 10% o consideram como ótimo ou bom, enquanto 21% consideram o governo como regular, e 69% avaliam o governo como ruim ou péssimo. Registre-se que a grande maioria da população, cerca de 70%, é favorável ao impeachment, de acordo com os principais institutos de pesquisa.  Constata-se que na mesma velocidade que avança na Câmara dos Deputados o processo de impeachment contra Dilma, também aumenta o grau de agressividade e de ameaças contidas na retórica dos reiterados pronunciamentos da presidente e de seus apoiadores, impregnados de argumentos ideológicos. A retórica dos argumentos que estão sendo utilizados por esses falsos 'líderes', que tentam defender o indefensável, mostram que além de tentarem impor as suas vontades, apoiados em gritos de ordem e com ameaças de violências físicas, estão interpretando a Constituição e as leis de forma maliciosa para atender às suas conveniências políticas e pessoais espúrias. Assim, entendidos como fatores que estariam contribuindo para desestabilizar a tranquilidade pública, esses  , atípicos numa democracia, devem merecer maior atenção por parte dos responsáveis pelas instituições que cuidam da segurança interna e da Justiça.

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Por José Matias-Pereira
Atualização:

* José Matias-Pereira, economista e advogado, é doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado pela Atlas