Análise - Eu voto em nome de Deus: qual é a novidade?

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Por Marco Antonio Carvalho Teixeira
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Uma surpresa, em tom de susto, parece ter tomado conta do País após as declarações de voto em nome de Deus proferidas por inúmeros parlamentares na sessão que deu continuidade ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, como se fosse apenas um evento pontual. Tal reação demonstra como é distante a relação entre a sociedade e o acompanhamento do dia a dia das atividades legislativas. Primeiro convém lembrar que os deputados foram eleitos ou reeleitos em 2014. Quem observasse mais o cotidiano da Câmara talvez não fosse surpreendido pelos discursos de domingo. Cultos religiosos organizados nas dependências do Congresso, projetos de lei que ameaçam o Estado Laico, assim como a defesa de interesses das organizações religiosas, figuram como ações rotineiras desse grupo de parlamentares.  Segmentos religiosos, nos quais Eduardo Cunha é uma das principais referências, têm conseguido benefícios sob a forma de renúncia fiscal, no auge de nossa crise econômica, aprovados no Legislativo, sem que o Executivo tenha condições políticas de veto com faz no corte de recursos em áreas sociais.  O presidente da Câmara foi, em 2010, um dos grandes cabos eleitorais de Dilma, no chamado segmento evangélico, quando o fogo cruzado em relação ao aborto ameaçou a eleição da petista. Ele enfrentou, inclusive, Silas Malafaia, tido como uma das principais lideranças religiosas nesse segmento. Edir Macedo e seu PRB, que votaram a favor do impeachment, também foram cabos eleitorais de Dilma em 2014 e teve o vice de Lula, José de Alencar, como a principal estrela da legenda durante a gestão do líder petista.  O que aconteceu mais recentemente na relação com o governo? Esse grupo mudou de lado. Parte pulou do barco ainda em 2014 e viu nas candidaturas do Pastor Everaldo e de Aécio neves suas opções naturais. Edir Macedo e a Igreja Universal abandonaram o barco depois da reeleição de Dilma. A bancada evangélica é parte numericamente importante dentre os parlamentares e muitas vezes decidem uma votação. Chamados de 'traidores' por não terem preservado o mandato de Dilma nessa fase, mesmo sendo alguns deles frequentadores da Lava Jato, é importante lembrar que a mudança de lado não muda o passado, mas sinaliza que num eventual governo Temer estarão juntos com o PMDB, como também estiveram no governo do PT.  Os que demonizavam esse grupo até então, estão hoje o saudando por ter se somado aos apoiadores do impeachment. Aqueles que os saudavam antes, agora os estão demonizando. Como se vê, o problema da representação política é muito maior e mais profundo do que se imagina e não se resume numa luta política apenas, por mais significativa que essa luta possa ser. O problema apenas se descortina em momentos como esse em função do grau de visibilidade que alcança e do desconforto que provoca aos olhares do grande público.* Marco Antonio Carvalho Teixeira é professor de Ciência Política na FGV-SP