Análise - No apagar das luzes

O fiel (ex) ministro da Justiça e combativo Advogado-Geral da União de Dilma Rousseff, o jurista José Eduardo Martins Cardozo, antes de respaldar a presidente foi indiscutivelmente um denodado parlamentar, tanto no Legislativo municipal da capital do Estado de São Paulo, como na Câmara Federal dos Deputados, por duas consecutivas vezes em cada um desses parlamentos.  Em 2004, deputado federal, apresentou um projeto de lei de contrato de seguro (PL 3.555/2004) que procurava outorgar a primeira lei de contrato de seguro da história brasileira. Esse projeto, que o depois ministro declarou num encontro na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - Fiesp ser o 'projeto mais denso' que pôde apresentar em toda sua 'vida legislativa', assim como 'de fundamental importância para nossa economia', para a surpresa de todos, praticamente não andou durante os mais de cinco anos em que se manteve como ministro da Justiça do Brasil.  O projeto foi inspirador para as leis de contratos de seguro de diversos outros países, como a portuguesa, a peruana, a chilena e anteprojetos de diversos outros países, caindo literalmente na graça do meio jurídico internacional, mas por aqui não andou.  O Ministério da Fazenda de Dilma se opunha ao projeto prioritário do Ministério da Justiça. Essa esquizofrenia permitiu a um deputado da oposição, durante uma sessão na comissão especial em que o governo se fazia representar pelo ministro autor do projeto e pelo secretário adjunto da pasta da Fazenda, chacotear: "Esse governo é uma espécie de monstro de duas cabeças. Ou algum dos senhores não fala em nome do governo?" O Instituto Brasileiro de Direito do Seguro - IBDS e a Confederação Nacional das Indústrias - CNI faziam força para aprovar a lei de contrato de seguro. O bloqueio era feito pela Confederação Nacional das Seguradoras - CnSeg, apoiada pela Federação Nacional dos Corretores de Seguros - Fenacor, presidida pelo então deputado federal e ex-superintendente da Susep de Lula, Armando Vergílio, que à última hora de seu mandato como relator da respectiva comissão especial procurou aprovar texto que aproveitava em parte a ideia original, mas descaracterizando-a.  Embora o projeto tenha encantado a diversos outros parlamentares que o elogiaram e mantiveram vivo após o término do mandato parlamentar do seu autor, entre outros, o deputado Eduardo Cunha, por incrível que pareça, o fato é que a coisa não andou como se esperava. Os próprios secretários do ministro da Justiça e o presidente do Cade de Dilma não mostraram qualquer empenho pela proposição que confrontava as forças dominantes na Fazenda. Nem mesmo tendo a CnSeg, depois de uma década de oposição, alterado sua posição e passado a admitir a aprovação da lei regente dos seus contratos, o governo encamisado, vacilante e dual, nada fez.  Assim, embora tenha começado cedo a campanha legislativa, o Brasil será um dos últimos países a ter sua lei especial de contrato de seguro. Até o Reino Unido, conhecido por seu direito consuetudinário, que não precisa de leis, aprovou em 2015 sua lei de contrato de seguro. Fica claro, a partir desse exemplo, que faltava ao governo uma unidade política adequada e capaz de fazer avançar a proteção dos interesses dos segurados e beneficiários de seguros, pessoas físicas e sociedades empresárias em geral.  Agora, ao apagar das luzes, na última quarta-feira, antes de o Senado votar pelo processamento do impeachment, a presidente Dilma Rousseff encaminhou três projetos de lei ao Congresso Nacional. As mensagens de envio estão publicadas em edição extra do Diário Oficial da União. Um dos projetos "altera o Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e regula as operações de seguros e resseguros". Será que finalmente a presidente deu atenção aos seus fiéis escudeiros? O texto não é possível conhecer até o momento.

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Por Ernesto Tzirulnik
Atualização:

* Ernesto Tzirulnik é advogado, doutor em Direito pela USP; presidente do IBDS - Instituto Brasileiro de Direito do Seguro; coordenador das comissões elaboradoras dos anteprojetos de Lei de Contrato de Seguro discutidos no Congresso Nacional desde 2004