Análise - O Senado e as indicações de cargos para o CNJ e a ex-CGU

Os áudios divulgados há dois dias com as conversas do ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e agora ex-ministro da Transparência, Fabiano Silveira, com o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, sobre a Operação Lava Jato demonstraram uma grande proximidade entre eles. O conteúdo dessas conversas serviu para se avaliar a permanência do ministro no cargo. Mais que isso, nos auxilia no exercício de refletirmos sobre os processos de nomeação das autoridades de alguns órgãos anticorrupção no Brasil.   Não é a primeira vez que fazemos uma comparação entre o CNJ e a outrora existente Controladoria Geral da União (CGU), agora Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Apesar de não ser de todo precisa (diferentemente da CGU, o CNJ é um órgão colegiado, por exemplo), a comparação é extremamente útil. O CNJ e a CGU são órgãos responsáveis por promover e fomentar a transparência no Judiciário e Executivo, respectivamente. Adicionalmente, ambos órgãos são responsáveis pela atividade correicional, de ouvidoria e de acompanhamento financeiro e da gestão no âmbito de suas respectivas competências.  No momento, as indicações do Senado para ambos os órgãos evidenciaram a necessidade de reformas nos mecanismos de indicação daqueles que dirigem esses órgãos. No caso do CNJ, Joaquim Falcão, Marcelo Neves, Bruno Dantas e Fabiano Silveira, nesta ordem, foram os Conselheiros indicados pelo Senado Federal desde a instalação do Conselho, há quase 11 anos. Joaquim Falcão e Marcelo Neves são professores de consagradas escolas de Direito, além de autores de obras importantes para a Sociologia e Filosofia do Direito no Brasil. Joaquim Falcão foi conselheiro por duas composições, entre 2005 e 2009. Marcelo Neves ocupou o cargo entre 2009 e 2011. Esperava-se que fosse reconduzido, como o fora Joaquim Falcão. Mas algo mudou, e o Senado Federal indicou Bruno Dantas. Bruno Dantas e Fabiano Silveira eram consultores legislativos do Senado Federal à época das nomeações. Ambos foram indicados quando o Senado Federal era presidido pelo PMDB. Bruno Dantas foi nomeado ministro do Tribunal de Contas da União no ano seguinte ao fim de seu mandato. Fabiano Silveira cumpria seu segundo mandato quando foi nomeado para o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle do governo do presidente interino Michel Temer. Joaquim Falcão e Marcelo Neves seguem lecionando. Dois professores universitários e dois consultores legislativos ocuparam uma posição mais importante do que parece para o futuro do Poder Judiciário. Criado por mais transparência, desenhado para lançar luz aos espaços opacos do Poder Judiciário, mas composto essencialmente por juízes, o CNJ precisava de membros externos para fortalecer sua capacidade de controle. Dois membros indicados pelo Ministério Público, dois indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil, um cidadão indicado pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. Em um plenário de 15 conselheiros, seis membros seriam externos. Essa foi a composição constante da Emenda Constitucional 45/2004. Entre esses seis conselheiros não-juízes, apenas dois estariam alheios à corporações. Os conselheiros indicados pelo Ministério Público e pela OAB seriam promotores e advogados. Apenas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal poderíamos esperar alguma representação popular. O atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, foi conselheiro do CNJ na primeira composição, Marcelo Nobre, advogado do deputado federal afastado Eduardo Cunha, o sucedeu, também indicado pela Câmara dos Deputados. Além desses, Emmanoel Campelo está hoje em seu segundo mandato como conselheiro indicado pela Câmara dos Deputados no CNJ. Como órgão de controle, o CNJ julga casos de corrupção que envolvem juízes dos diversos Estados brasileiros, além de denúncias importantes como as existentes hoje contra o juiz Sérgio Moro. Entretanto, talvez mais importante que zelar pela integridade das nomeações, seja definir processos de indicação de conselheiros pela Câmara e Senado que garantam a participação popular e o exercício da cidadania na administração e controle da Justiça. Diferentemente do CNJ, a ex-Controladoria Geral da União - agora Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle - é um órgão singular. Ou seja, as decisões são tomadas por meio de um único agente, o ministro. Esse agente é nomeado pelo presidente da República. E pode ser removido a qualquer tempo. Legalmente, o processo de nomeação da autoridade máxima do órgão de transparência e controle do Executivo Federal não segue uma regra mais rígida que os demais ministros da Esplanada. O ministro não precisa ser escolhido a partir de uma lista tríplice de servidores da carreira da finanças e controle; não precisa ser um analista de finanças e controle; não precisa comprovar conhecimento na matéria de prevenção e combate à corrupção; não precisa ser sabatinado pelo Legislativo.  É enorme a fragilidade das regras para nomeação da autoridade responsável por fiscalizar os demais ministérios, promover a transparência de todo Executivo e coordenar as ações de correição de toda a Esplanada. E a depender de quem é nomeado ministro, fica em risco a própria independência necessária para o órgão executar suas funções. Alguns órgãos e entidades precisam ser protegidos de potenciais interferências negativas causadas pelos ciclos políticos e eleitorais. É o caso da extinta CGU. A forma mais efetiva de proteger o órgão agora existente é atribuir a ele autonomia e tornar a nomeação de sua autoridade máxima um processo efetivamente meritocrático. Para que a ênfase nas questões técnicas da competência do órgão não limite sua interlocução com a sociedade, especialmente no que diz respeitos às funções de ouvidoria e transparência pública, mantêm-se em pleno funcionamento o Conselho da Transparência, com a participação de representantes da sociedade civil. O que não é aceitável é que no lugar de representantes da sociedade civil sejam escolhidos membros de carreiras, como vem ocorrendo no CNJ nas vagas destinadas aos cidadãos, e que no lugar de especialistas ou membros de carreiras sejam escolhidos indicados políticos sem histórico e comprometimento com as atividades do órgão, como no caso da ex -CGU. A cadeira de Fabiano Silveira no CNJ e da extinta CGU ainda está vaga. As razões de sua nomeação também o estão. Está aí um ótimo momento para colocar as coisas no lugar. No caso do CNJ, para que o Conselho, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e a sociedade civil discutam processos mais democráticos e genuinamente populares para indicações de futuros conselheiros ao CNJ. No caso da ex-CGU, para que a reforma para aumentar a autonomia do órgão comece pela nomeação de um comprovado especialista em anticorrupção. Mas este não parece ser o plano de Michel Temer. E coloca em xeque, mais uma vez, seu compromisso com a prevenção e o combate à corrupção.

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Por Janaína Penalva e Izabela Corrêa
Atualização:

* Janaína Penalva é ex-diretora executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias e do Centro de Estudos Judiciários do CJF, professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília/UnB

** Izabela Corrêa é ex-coordenadora de Promoção da Ética e Transparência na CGU e doutoranda em Ciência Política pela London School of Economics and Political Science (LSE)