Cuba e Estados Unidos: rumo a um novo capítulo

Análise publicada originalmente no Estadão NoiteAproveitando talvez o otimismo gerado pelo chamado espírito natalino, os Estados Unidos e Cuba anunciaram nessa quarta-feira,18, que estão tentando ativamente revitalizar as relações entre os dois países. A iniciativa, concretizada com o anúncio por parte dos governos das duas nações de várias medidas de cunho comercial e diplomático, teve seu aspecto mais simbólico e midiático na libertação de Alan P. Gross, condenado a 15 anos de prisão pelo regime cubano. O cidadão norte-americano trabalhava em Cuba em 2009, sob contrato da agência de desenvolvimento dos EUA (USAID), na implantação de linhas de telefonia que permitiriam o acesso à internet a grupos religiosos locais (uma demanda importante para os Estados Unidos, que acreditam que tais medidas ajudam na promoção da liberdade de comunicação e democracia na ilha).

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Por Rafael R. Ioris
Atualização:

Como parte dos eventos, Obama fez um pronunciamento televisivo à nação, ao meio-dia local - mesmo momento em que Raul Castro falava aos seus próprios cidadãos - para anunciar a abertura de um novo capítulo na história entre os dois países. O presidente norte-americano ressaltou que a abordagem até aqui traçada, baseada no embargo econômico estabelecido em 1961, não funcionou e que algo novo teria que ser tentado. 

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Parte da nova postura estaria na normalização de relações diplomáticas entres os dois países, inclusive com a reabertura da embaixada norte-americana em Havana, assim como a permissão de maior intercâmbio cultural (inclusive com novas formas de acesso a cidadãos norte-americanos à ilha) e comercial (como novas maneiras de envio de remessas de dinheiro entre familiares residentes nos EUA e Cuba). Além dessas iniciativas, e da libertação de outros prisioneiros em ambos países, inclusive de opositores do regime cubano presos no país caribenho, Obama prometeu ainda maiores investimentos norte-americanos na implantação de redes de telecomunicação entre as duas nações, cooperação em ações globais no combate de epidemias, como o Ebola, em que agentes cubanos têm sido amplamente reconhecidos, e a aceitação por parte dos EUA de que Cuba participe da Cúpula da Américas em abril.

Os anúncios são fruto de conversas iniciadas há mais de um ano, moderadas pelo governo do Canadá e em grande parte inspiradas pelo Papa Francisco, que encorajou o diálogo entre os governos dos dois países (algo que foi marcado por uma conversa de 45 minutos entre os dois presidentes na terça-feira,17). 

Uma vez que, como também enfatizado por Obama, isso marcaria o início de um processo de negociações entre as partes, é possível que novas medidas de caráter positivo venham a ocorrer num futuro próximo. É preciso ressaltar, porém, que ainda que tenhamos um dia histórico no tortuoso e intenso relacionamento entre Cuba e Estados Unidos, as importantes medidas tomadas nessa quarta refletem os limites da diplomacia presidencial norte-americana, já que somente o Congresso daquele país pode suspender o embargo imposto pelo governo Kennedy. Haja vista que não somente parlamentares republicanos, especialmente representantes da comunidade cubana na Flórida, mas também importantes democratas já se pronunciaram contra a nova postura de Obama, não parece plausível esperar que uma das últimas políticas remanescentes da lógica da Guerra Fria seja revertida no curto prazo. 

Nesse contexto, seria útil que o Brasil assumisse um papel mais ativo na mediação entre os dois países dado que a normalização do relacionamento entre Cuba e EUA seria algo positivo não somente para as duas nações, mas para todo o hemisfério. É de se desejar também que, com base nas novas iniciativas e interações cubano-americanas, a ilha caribenha deixe de ser objeto de polarização e divisões ideológicas, inclusive no Brasil, e passe a ser vista como parte integrante da comunidade interamericana de nações. Parafraseando as palavras do grande intelectual cubano José Marti, afinal podemos e devemos ser todos americanos* Rafael R. Ioris é professor de História Latino-Americana na Universidade Denver, nos EUA

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