Cultura do sadismo

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Por Robert Muggah
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A forma como uma sociedade cuida de sua população carcerária é um bom indicador de seus valores e civilidade. Uma rápida inspeção do sistema penal no Brasil revela uma cultura beirando o sadismo. O País possui a quarta maior população carcerária do mundo, com cerca de 550 mil presos ocupando uma área projetada para menos de 300 mil. Quase metade deles aguarda julgamento durante o cárcere que chega a durar períodos muito longos. Um estudo realizado pelo Instituto Internacional Bar Assn.'s Human Rights revelou que um em cada cinco presos à espera de julgamento foi preso indevidamente. Quase um terço de todas as mortes de presos é resultado de homicídio, seis vezes maior do que a taxa do País. Muitos dos mal administrados presídios brasileiros são comandados por grupos criminosos que recrutam seus membros e organizam suas atividades de dentro das prisões. Um recente relatório do governo descreve as instalações como degradantes, onde a tortura, a violência sexual e a decapitação são brutais. Na penitenciária de Pedrinhas, no Estado do Maranhão, por exemplo, cerca de 60 detentos foram violentamente assassinados em 2013. Mais de 60 mortes foram registradas no sistema prisional de Pernambuco, poucos anos antes. Gangues também recrutam os presos para fazerem parte de suas organizações de dentro de muros da penitenciária. Até mesmo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que preferia morrer a ser condenado a uma prisão brasileira. As penitenciárias do Brasil enchem em maior proporção do que podem ser construídos. Esforços de privatização estão longe de acompanhar o ritmo de números cada vez maiores de detentos. Superlotação e condições precárias têm sido repetidamente condenadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Mas, com uma média estonteante de 3 mil novos encarceramentos a cada mês, a situação está se tornando mais horrendo a cada dia. O sistema brasileiro de justiça criminal e penal tem sido repetidamente criticado por suas falhas e por violar a responsabilidade legal do governo de proteger os direitos humanos pela Anistia Internacional, pelo Human Rights Watch e pela Justiça Global.O sistema penal é intrinsecamente elitista, e por isso nem toda população carcerária do Brasil tem o mesmo tratamento. A minoria dos detidos com um diploma universitário ou conexões públicas são frequentemente alocados em celas separadas e em melhores condições. Os pobres raramente têm tal tratamento. Um estudo descobriu que mais de 80% dos presos não podiam se dar ao luxo de contratar um advogado. Para piorar o cenário, não há defensores públicos em mais de 70% de todos os tribunais de Justiça. Não é de se surpreender, então, que aqueles que são mortos sob custódia normalmente são os brasileiros mais pobres, uma constatação preocupante do relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias. Numa visão ampla, o sistema penal do Brasil vai exigir uma mudança drástica nas atitudes públicas. Se a pressão popular é aplicada sobre os políticos, a resistência entrincheirada pode ser superada. Mas uma verdadeira mudança requer uma liderança política. A presidente Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante a ditadura, se comprometeu a melhorar as condições carcerárias. Infelizmente, ela ainda deve avançar a agenda.* Robert Muggah é Diretor de Pesquisa do Instituto Igarapé e Coordenador do Programa de Segurança Cidadã

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