Desastres made in Brazil

O Brasil deve chegar ao fim do ano com um dos piores quadros fiscais do mundo – e por méritos próprios, sem depender de fatores externos, como as cotações dos produtos básicos ou as turbulências nos mercados cambiais e financeiros. O buraco nas contas do setor público chegou a 9,2% do Produto Interno Bruto (PIB) nos 12 meses até agosto. A proporção cairá para 7,7% até dezembro, se for confirmada a projeção dos economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse cálculo parece otimista, por causa da retração econômica e das dificuldades políticas do governo. Mas mesmo com esse número a posição brasileira é pouco invejável no conjunto das previsões divulgadas nesta semana.

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Por Redação
Atualização:

O déficit geral estimado para o Brasil neste ano é mais que o dobro da média prevista para as economias avançadas (3,1%) e quase o quádruplo do esperado para a zona do euro (2%). Também é muito maior que as médias projetadas para as economias emergentes (4,1%) e para as latino-americanas (5,9%). Mas o número da América Latina é inflado pelos desajustes calculados para Brasil (7,7%), Venezuela (24,4%) e Argentina (4,9%).

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As contas brasileiras devem melhorar de forma gradativa nos próximos anos, segundo as estimativas do FMI, mas em 2020 o déficit do governo geral – União, Estados, municípios e estatais – ainda equivalerá a 3,2% e continuará acima do teto admitido para os países da zona do euro. A média latino-americana será de 3,8%, se ocorrerem as pioras previstas para a Argentina (6,4%) e para a Venezuela (27,3%).

Os fatos poderão desmentir essas projeções, até porque é difícil de imaginar o agravamento dos enormes desajustes argentinos e venezuelanos. Igualmente difícil, no entanto, é imaginar a ocorrência das mudanças para corrigir as políticas de Buenos Aires e de Caracas. Parece haver um pouco mais de otimismo quanto ao Brasil, embora as mudanças previstas sejam lentas e insuficientes para garantir um crescimento econômico superior a 2,5% em 2020.

Mas o Brasil se destaca nas avaliações e projeções do FMI principalmente pela criação de problemas. Três temas são examinados em relatórios recentes: os efeitos da redução dos preços dos produtos básicos, das novas condições financeiras e cambiais e da acomodação da China a um novo estilo de crescimento.

Essas mudanças continuarão a afetar a maior parte dos emergentes. A redução do crescimento chinês afeta amplamente o comércio global. Também as economias mais avançadas são atingidas pela mudança, mas as mais afetadas são as vendedoras de matérias-primas. Nesses países as contas públicas são muito dependentes da receita fiscal gerada pelo setor de commodities. Em várias dessas economias, no entanto, os danos decorrentes da queda dos preços de exportação têm sido atenuados, porque os governos têm condições financeiras para contrabalançar as dificuldades.

No Brasil, as condições fiscais são muito piores do que nesses países, embora as contas públicas dependam menos da receita derivada de commodities. Essa receita importa menos que em economias menos diversificadas. Nesse caso, o problema é claramente produzido por erros políticos.

A mesma observação vale para as mudanças do câmbio associadas à expectativa de elevação dos juros americanos. Muitas moedas foram desvalorizadas, mas a depreciação do real foi especialmente ampla por causa da insegurança em relação à política econômica. Os desacertos fiscais já produziram, além de inflação, insegurança e recessão, o rebaixamento da nota de crédito do País.

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Fatores externos apenas agravam um quadro muito ruim. Até a excessiva dependência da exportação de matérias-primas é produto de erros internos. Quando o governo petista decidiu evitar acordos comerciais mais ambiciosos e praticar a diplomacia econômica da mediocridade, limitou as possibilidades de integração internacional do País e travou o fortalecimento da indústria. Com uma governança desse tipo, qualquer país pode afundar pelos próprios meios, sem depender da importação de problemas.