Eles não se emendam

Decerto conscientes de que a credibilidade da classe política está ao rés do chão – apenas 1,5% dos brasileiros dizem confiar nela, segundo recente pesquisa da MDA para a Confederação Nacional do Transporte –, os partidos parecem ter concluído que terão muita dificuldade para convencer o cidadão comum a financiar seus candidatos na eleição de 2016.

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Por Redação
Atualização:

Sem poder recorrer mais às milionárias doações feitas por empresas, vetadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os partidos já se mobilizam para arrancar dos contribuintes o dinheiro que eles não têm capacidade de arrecadar persuadindo os eleitores a bancar suas campanhas apresentando-lhes ideias para melhorar o País.

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A manobra que está em curso na Câmara dos Deputados visa a aumentar de R$ 311 milhões para cerca de R$ 600 milhões os recursos destinados ao Fundo Partidário. Criado em 1995 com o propósito de assegurar a sobrevivência das agremiações que, em tese, representam os distintos interesses da sociedade, esse fundo pode ser chamado, apropriadamente, de Bolsa Partido, porque uma parte do dinheiro financia legendas que não vivem de voto. Essa é uma das razões pelas quais criar um partido virou um bom negócio no Brasil – não é preciso arregimentar seguidores para embolsar verba pública.

Enquanto as doações eleitorais de empresas eram legais, o Fundo Partidário era encarado como uma espécie de linha auxiliar do financiamento de campanhas. Seus recursos serviam para pagar salários e a infraestrutura dos partidos, ficando o resto – principalmente o marketing eleitoral, pago a peso de ouro – na conta das empreiteiras e outras grandes companhias, cujo interesse na vitória de seus apadrinhados certamente não é o mesmo do eleitor que deposita seu voto na urna.

A doação eleitoral por parte dessas empresas se tornou um investimento, já que embutia a expectativa de obter contratos no futuro governo ou de transformar parlamentares em despachantes de seus interesses no Legislativo, até que o STF decidiu considerá-la inconstitucional. No entender do Supremo, as doações empresariais constituíam inaceitável captura do poder político pelo poder econômico.

Que não se atribua ao STF, no entanto, a responsabilidade integral pela eventual penúria dos partidos. As grandes empresas já haviam decidido reduzir seus aportes aos políticos em razão dos desdobramentos da Operação Lava Jato. A imagem de famosos empreiteiros atrás das grades certamente deixou ressabiados aqueles que já estavam habituados a considerar os políticos como seus empregados.

Como a fonte secou, criou-se um grande problema para os partidos: desabituadas de fazer política e de ganhar os eleitores no corpo a corpo das ruas, sem recorrer aos truques marqueteiros, algumas agremiações se viram diante do desafio de justificar sua própria existência, isto é, de se mostrarem como reais delegados dos eleitores, convencendo-os a financiá-las.

Em vez disso, porém, os partidos escolheram trilhar o caminho mais cômodo e menos democrático, que é aumentar o Fundo Partidário. Em março passado, o Congresso já havia aprovado uma elevação substancial para o fundo, da ordem de 200%, chegando a R$ 867 milhões. Como esses recursos tinham de vir de um Orçamento já bastante apertado, o governo federal reduziu o valor para R$ 311 milhões.

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Agora, os partidos reclamam que o corte do governo foi excessivo e abrupto, e se mobilizam para obter um novo aumento, já aprovado no dia 15 passado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e que será apreciado pela Comissão Mista de Orçamento. Em entrevista ao Valor, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) tratou a questão em termos trágicos: “Sem o financiamento privado, diminuir o Fundo Partidário dessa maneira é a morte dos partidos”.

Trata-se de um evidente exagero. Mas pode-se dizer que, se essa crise resultar mesmo na morte de partidos cuja única razão de existir é a traficância, abrindo espaço para agremiações que de fato representem os eleitores, o País só tem a ganhar.

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