Engenheiro restaura florestas no interior paulista

Em terreno de Capão Bonito, Fernando Bechara desenvolve experiência pioneira de recuperação da mata nativa

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Por Agencia Estado
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O embiruçu, árvore nativa brasileira, dá flores que só o morcego come - se não comesse, a árvore não existiria. Esse é um dado importante para o engenheiro florestal Fernando Bechara, paulistano de 30 anos. Ele está iniciando um trabalho de artista: o de restaurar as florestas, e não apenas recuperá-las. Seu horizonte, no momento, é o interior paulista, onde vem ocorrendo um fenômeno interessante: na contramão do desmatamento crônico no Brasil, em São Paulo a área de cobertura florestal está crescendo. Nos últimos dez anos, a floresta, a capoeira (principalmente) e outros tipo de cobertura cresceram quase 130 mil hectares. Isso representa 3,8% dos 3,3 milhões de hectares que haviam restado no Estado, depois de cinco séculos de devastação - quando Anchieta fundou São Paulo, a mata cobria 82% das terras paulistas. A volta do verde paulista tem razões específicas, dependendo do grupo que a promove. Os fabricantes de papel e celulose e as usinas de açúcar e álcool, com seus canaviais, estão entre os mais expressivos. Eles querem conquistar o selo verde, a certificação que, cada vez mais, abre portas no País e no exterior, garantindo que a origem do produto não desrespeitou a legislação ambiental. Uma das exigências da lei é que, em áreas passíveis de desmatamento, sejam mantidos 20% da vegetação nativa. Ela deve ser preservada, também, às margens dos rios (mata ciliar). Quem desmatou tem que trazer a mata de volta. E é aí que entra Fernando. O engenheiro florestal diz que a diferença entre seu trabalho e o das empresas de reflorestamento é que elas recuperam a mata, enquanto ele a restaura. As empresas plantam mudas em linha, o que resulta em árvores grossas e altas. ´Mas não é uma floresta, é um bosque tradicional, alto e vazio. Embaixo não tem regeneração de floresta, nem animais.´ Fernando está criando, em área piloto de um hectare (10 mil metros quadrados), em Capão Bonito, 237 quilômetros ao sul da capital, ´uma floresta o mais próximo possível da original. Mas não é o homem quem consegue isso, é a própria natureza. Há uma rede de ligações alimentares, de reprodução e de abrigo, envolvendo a fauna e a flora, muito complexa´. Nas florestas tropicais, como as brasileiras, as árvores representam 25% das formas de vida. Os outros 75% são constituídos por arbustos, ervas, cipós, bromélias, epífitas (que ficam sobre as árvores) e outras espécies. Fernando coloca ´gatilhos´ para precipitar a volta de todas, que obedecem à ´sucessão natural´. Primeiro, devem surgir as ervas e os cipós, organismos pequenos e pouco exigentes, que preparam o ambiente. Depois, os arbustos e as pequenas árvores. A seguir, as maiores. Pássaros, morcegos, abelhas, vespas e borboletas contribuem com sementes trazidas de outros lugares. Entre os pássaros, os mais assíduos são o bem-te-vi e o sabiá. Interações O que funciona é uma teia alimentar, em que certa árvore precisa de determinado animal para se reproduzir. O morcego (e só ele) come a flor da árvore embiruçu. Suas fezes caem no solo, e com isso novas embiruçus germinam. Há animais que dependem da árvore certa, como o esquilo precisa da palmeira jerivá. Há mais de uma centena de interações desse tipo na floresta tropical, revela Fernando. ´Mas o homem ainda conhece pouco sobre elas.´ O engenheiro não usa métodos lineares de plantio, mas cria núcleos, a partir dos quais ´a natureza faz o resto´. Ele tem, contudo, de dar uma ´mãozinha´. Para o surgimento de ervas e arbustos, usa sementes colhidas na região (parte é trazida pelo vento ou por insetos). Essa primeira cobertura dos núcleos atrai vespas, abelhas e borboletas. Fernando também transpõe porções de solo retiradas de florestas preservadas, que rapidamente recuperam a perda. Essas porções, de um metro quadrado e 10 centímetros de profundidade, são bancos de sementes de ervas e arbustos e de microfauna (minhocas e fungos). Assentadas nos núcleos, brotam em três meses. Formam uma cobertura que se irradia para além dos núcleos. São criados, então, poleiros para os ´plantadores da natureza´ - as aves. Elas se alimentam num lugar, defecam em outro, e assim levam sementes de plantas da região. Para abrigar morcegos, é erguida uma torre de cipó. A copa e tocos de eucalipto são empilhados e se decompõem. Viram abrigo para besouros, lagartos e ratos. Atrás dos ratos vêm as cobras. Para o surgimento das árvores, Fernando não conta só com pássaros e morcegos. Ele instala, em florestas preservadas, coletores de sementes. São malhas que recebem sementes caídas das árvores. Com elas, produz, em viveiro, mudas para serem plantadas. ´Durante todo o ano há árvores frutificando. Isso é importante para manter a fauna.´ Técnica Fernando iniciou o projeto em Capão Bonito há dois anos. A flora surgida nos núcleos irradiou-se e cobriu toda a área. No primeiro ano, desenvolveram-se 148 espécies vegetais e surgiram 35 de aves. Ele calcula que, dentro de mais quatro anos, terá uma floresta formada, com árvores crescidas e fauna, paca e tatu. Ele desenvolveu a técnica com o professor Ademir Reis, da Universidade Federal de Santa Catarina, onde fez seu mestrado. Com ela, defendeu tese de doutorado na Escola Agrícola Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. A área piloto foi cedida pela Votorantim Celulose e Papel, a maior exportadora de celulose do País e um dos clientes da empresa em que Fernando trabalha, a Casa da Floresta, de Piracicaba. Esta empresa começa a mesclar as técnicas de Fernando em seus projetos de reflorestamento. A Votorantim quer aplicar o novo método em 20% de suas áreas que precisam recuperação. Fernando diz que, além de imitar a natureza, seu método é 30% mais barato.

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