Evandro faz 40

Festejando quatro décadas de carreira, ator curte sucesso do mecânico Paulão em a 'Grande Família'

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Por Jotabê Medeiros - O Estado de S. Paulo
Atualização:

"Eu não sou ônibus, mas vou direto ao ponto", diz o mecânico bronco Paulão, de A Grande Família.

 

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O bordão de Paulão pode ser diretamente aplicado ao seu intérprete, o ator ultracarioca Evandro Mesquita, de 59 anos. Foi essa determinação "paulãonesca" que levou, em 1971, há exatos 40 anos, um irrequieto garoto surfistão e amante das HQs a entrar no Teatro Ipanema decidido a se tornar ator.

 

"Eu tava no ginásio e fui ver Hair, com Sonia Braga nua e aquela profusão de pessoas loucas no palco... Isso é teatro? Isso pode? Eu quero fazer isso também", decidiu Evandro, uma das mais amadas figuras da cultura pop nacional - uma das cabeças da hidra chamada Asdrúbal Trouxe o Trombone, grupo cênico multidisciplinar dos anos 1970, e mais tarde o homem de frente da banda pop Blitz, que deu um banho de irreverência no rock nacional nos anos 1980. E, é claro, o Paulão.

 

Correu para fazer testes para Hair, mas não tinham papel para ele - sua experiência era apenas jogando futebol de areia. "Comecei vendendo livro na entrada da peça O Assalto, do José Vicente. Aquilo foi quase uma universidade da vida e do teatro", conta o torcedor do Fluminense. Era garoto quando o pai morreu de problemas renais, e foi criado pela mãe, professora de Literatura - tem uma praça em frente ao Fundão, na UFRJ, chamada Professora Samira Mesquita, com uma foto da mãe de Evandro.

 

A mãe, apesar das dificuldades para prover os filhos, nunca se opôs à sua decisão pelo teatro - sempre esteve do seu lado, e até o ajudou a redigir uma carta para a famigerada "Dona Solange" (Solange Hernandes), a mais famosa censora do governo militar, quando esta proibiu músicas da Blitz (Ela quer morar comigo na Lua, Esquizofrenético Blues e Cruel Cruel). A carta chamava a atenção para a responsabilidade histórica daquele tipo de expressão, e Dona Solange capitulou - acabou liberando Betty Frígida, do segundo disco da Blitz, que também tinha sido censurada.

 

"Minha mãe se desdobrava. Por causa disso, comecei a querer pesar o mínimo possível no orçamento de casa. Comia na casa das namoradas. Foi uma época deslumbrante", lembra o ator. Aos 19 anos, finalmente ele se encaixou no teatro. Arrumaram um papel para ele em Hoje é Dia de Rock (1971), de José Vicente, e Evandro, de cara, já tinha como colegas monstros do palco, como Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque.

 

Depois, em 1974, veio o Asdrúbal Trouxe o Trombone, grupo que ele integrou juntamente com Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Patrícia Travassos, Perfeito Fortuna, Hamilton Vaz Pereira. Uma revolução colorida a partir do underground. Com o dinheiro da caixinha de uma montagem no Teatro Dulcina, ele e a trupe compraram duas kombis e saíram pelo Brasil, decididos a viver a grande aventura mambembe do amor & da arte preconizada pelo teatro ritualístico. "Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, fomos todos presos. Tomamos uma blitz e tinha alguém fumando maconha na kombi", lembra o artista.

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Associar Rio de Janeiro e Evandro Mesquita (como Nuno Leal Maia ou Bocão) é um tipo de pleonasmo. Ele é o Rio. Já viveu no Arpoador, Ipanema, Lagoa, nas imediações do Píer. Surfou até arrebentar os ligamentos do joelho - parou agora porque não quer operar. Atualmente, mora em Itanhagá. É pai de uma moça de 23 anos, de seu primeiro casamento, e de uma menina de 4 anos, fruto do atual casamento (que já dura 10 anos).

 

Evandro passeia pelas novelas, humorísticos e especiais da Rede Globo com desenvoltura há quase duas décadas. Começou em Armação Ilimitada, em 1985, e esteve em Top Model (1989), Vamp (1991), Sexo Oposto (2008), entre outras. Nas telas, é figurinha carimbada do cinema nacional desde Menino do Rio (1982). Mas, de seis anos para cá, acostumou-se a ser reconhecido nas ruas como um herói genuinamente popular, por conta do rude e ingênuo Paulão, de A Grande Família. Em um dos episódios mais recentes, viveu dois personagens: Paulão e seu irmão gêmeo, Fabinho, uma história elogiada pela delicadeza e contundência da abordagem da temática gay.

 

O ator usou uma prótese dentária para diferenciar Fabinho do irmão machão (que o chamava de "lombossexual"). "A prótese me deixava um pouquinho dentuço e mudava um pouco a voz. Mandei uma foto caracterizado para amigos, antes de gravar, e alguns não reconheceram. Diziam: hei, quem é esse? É o cantor do Queen?".

 

Macacão verde, graxa nas mãos e na face, pulseiras, colares e pochete na cintura, Paulão dá forma a uma figura com a qual quase todos já lidamos (mas que a ficção praticamente ignora): o mecânico boa-praça que cultiva pôsteres de mulheres nuas na parede da oficina. Evandro conta que já tinha em mente o vocabulário defeituoso do Paulão quando chegou à trupe, há 6 anos.

 

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"Eu tinha decidido que ia errar de propósito o nome das pessoas. Mas aí, no primeiro programa, quando eu chamei o Gustinho (Agostinho, personagem de Pedro Cardoso) errado, a assistente de direção me deu uma corrigida", diverte-se.

 

Ao fundar a Blitz, em 1980, era como se fosse uma derivação natural do teatro no qual ele militava, mais uns eflúvios da new wave. "O que eu queria era não falar de amor de uma maneira inteligentosa, e falar de política sem ser didático, chato", conta. "Eu tinha ouvido O Rei do Gatilho, com o Moreira da Silva, e achei genial, assim como tinha em mente que O Calhambeque, de Roberto Carlos, era brilhante. Queria a pegada dessa poesia de rua, com um toque das crônicas de Stanislaw Ponte Preta, que me emocionava".

 

A esse coquetel, ele cortejava a postura do Pete Towshend, o suingue do Bob Marley, a contramão de tudo que rezava a cartilha do rock da época. "Isso incomodou alguns críticos. A mídia tem essa coisa meio antropofágica, de estar sempre em busca da novidade e cuspindo fora o que não quer mais", diz.

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Evandro disse que se sente ainda perfeitamente à vontade cantando Betty Frígida, Você não Soube me Amar, essas coisas. Ele crê, inclusive, que os "cacos" (frases e expressões improvisadas) que o caracterizam na TV são decorrência de toda sua trajetória - no teatro, TV, cinema e na música. "É uma linha de interpretação que vem desde o Asdrúbal. Não é o caco pelo caco. É uma escola, um acostamento para que a gente possa tornar mais vivo o texto e o personagem, levá-lo mais perto do cinema com um tipo de hipernaturalismo".

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