Atualizado às 20h52 de 05/02/14
RIO - Dois dos 14 jovens moradores da zona sul do Rio detidos no fim da noite de segunda-feira, 3, no Aterro do Flamengo, na zona sul, sob acusação de tentar agredir dois rapazes do Catumbi, na região central, confirmaram em depoimento ter marcado um encontro pelo Facebook para "patrulhar o Aterro em busca de potenciais autores de delitos", de acordo com a Polícia Civil.
Na sexta-feira, 31, um adolescente negro de 15 anos foi espancado e preso sem roupa pelo pescoço, com uma tranca de bicicleta, a um poste da Avenida Rui Barbosa, no Flamengo. "Os dois casos podem ter relação, o modus operandi é muito parecido e são todos garotos de classe média, mas precisamos ter provas", disse nesta terça, 4, a titular da 9ª Delegacia de Polícia, Monique Vidal, responsável pelas investigações.
O caso chocante do garoto preso ao poste pelo pescoço foi revelado no sábado, 1, pela coordenadora da organização não-governamental Projeto Uerê, Yvonne Bezerra de Mello. Na ocasião, Yvonne afirmou que ele "quase foi assassinado pelos 'justiceiros'". Suspeito de roubo, o adolescente foi socorrido por bombeiros, que precisaram usar um maçarico para soltá-lo do poste, e levado para o Hospital Souza Aguiar. De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, ele foi atendido por volta de meia-noite, mas "deixou o hospital à revelia" no início da madrugada. Monique pediu aos prédios da Rui Barbosa que encaminhem imagens de câmeras de segurança para tentar identificar os responsáveis pelo crime. O jovem torturado, que seria morador de Cosmos, na zona oeste, não foi localizado pela polícia.
'Pega, vamos matar'. Os 14 foram detidos por policiais militares que patrulhavam a região do Aterro e ouviram gritos de "socorro", por volta das 23 horas. Eles têm entre 15 e 28 anos e moram em seis bairros da zona sul (Flamengo, Botafogo, Humaitá, Laranjeiras, Leme e Glória), segundo os boletins de ocorrência. "Pega, vamos matar, são ladrões", teria dito um deles, conforme o depoimento de uma das vítimas. Segundo a delegada, foi realizado um levantamento dos 14 nomes e não há registro de antecedentes criminais. Os dois que prestaram depoimento são estudantes de 22 e 28 anos, moradores do Flamengo e do Humaitá. Procurados pela reportagem, eles não foram localizados. Os outros alegaram que só falarão em juízo. Todos foram liberados de madrugada. "Instauramos procedimento de quadrilha ou bando, tentativa de lesão corporal e corrupção de menores", disse a delegada.
Na semana passada, teve grande repercussão o assalto sofrido no Aterro pelo ciclista Ricardo Monte, que foi esfaqueado e teve a bicicleta, o telefone celular, a carteira e a mochila roubados por três jovens. Crimes tornaram-se recorrentes na região - não há dados específicos para o Parque do Flamengo, mas na área da 9ª DP houve aumento de 60% dos assaltos a pedestres na comparação dos dez primeiros meses de 2013, último dado disponível, com o mesmo período de 2012.
"O Estado e a sociedade carioca não podem tolerar a formação de grupos de vigilantes privados, sob o risco de aumentar a violência e alimentar uma 'cultura do extermínio' que atinge, majoritariamente, jovens pobres e quase sempre negros", disse o diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil, Átila Roque. "Como morador do bairro do Catete e usuário constante do Parque do Flamengo, também me preocupo com a insegurança e o estado de abandono em que a região se encontra. Mas isso requer uma ação combinada de segurança pública e assistência social à população de adultos, jovens e crianças que vivem naquela área."
De acordo com Roque, a cena do menino negro, desnudo e preso pelo pescoço a um poste é "mais um alerta do quanto ainda podemos afundar como sociedade quando as instituições públicas não conseguem responder ao estado de emergência social em que vivemos".