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Neto de Stalin quer limpar nome do ditador

Ação contra jornal coincide com iniciativa do Kremlin de reabilitar líder soviético

Por Luke Harding
Atualização:

Sentado na sala da sua casa em Moscou, cercado por livros sobre a história do século 20, o representante comercial Leonid Zhura fala sobre como a vida era melhor sob o regime do ditador soviético Josef Stalin (1924-1953). "Foi uma época heroica. Pela primeira vez, uma sociedade era fundada com base em princípios justos", diz ele, acrescentando que Stalin não cometeu nenhum crime. Acredita-se que entre 20 e 40 milhões de pessoas foram mortas sob o regime de Stalin.A opinião de Zhura não é tão incomum na Rússia atual. O que o distingue de outros fãs de Stalin é que ele está indo aos tribunais para provar seu argumento de que o ditador não matou ninguém. E afirma ter uma testemunha impecável - o neto de Stalin, hoje com 73 anos.Yevgeny Dzhugashvili - descendente do desafortunado Yakov, filho de Stalin - compareceu esta semana a um tribunal em Moscou. Ele vive em Tbilisi, na Geórgia, mas a convite de Zhura foi à capital russa para ser testemunha em uma ação de difamação contra o jornal liberal russo Novaya Gazeta.Dzhugashvili está exigindo uma indenização por danos de US$ 299 mil do Novaya, por causa de artigo publicado pelo jornal dizendo que seu avô assinou pessoalmente as ordens do Politburo para execução de civis. Para o autor do artigo, Anatoly Yablokov, um processo desse tipo seria impensável até recentemente - mas agora é possível, o que é deprimente."Há uma mudança na visão que a sociedade tem de Stalin", disse o jornalista em uma audiência preliminar. "Hoje ouve-se muito mais do que nos anos 90 que Stalin foi um administrador eficiente, mas fala-se muito menos sobre a repressão."Mas, segundo Zhura, Stalin criou uma sociedade superior às suas rivais capitalistas, não só no campo científico como também no futebol. "Durante uma excursão à Grã-Bretanha em 1945, o Dynamo de Moscou arrasou o Manchester United."Ele também insiste que o famoso pacto Molotov-Ribbentrop - com base no qual Hitler e Stalin secretamente dividiram a Europa Oriental em agosto de 1939 - não foi a causa da 2ª Guerra. Zhura também diz que os nazistas é que cometeram o conhecido massacre de oficiais poloneses, em Katyn, em 1940. "Stalin não escreve assim. É falso!", disse Zhura, mostrando uma cópia de documento assinado por Stalin aprovando a operação.De acordo com Zhura, os parceiros de Stalin é que estavam por trás do Grande Terror - período de expurgos entre 1937 a 1938, que matou dezenas de milhares de pessoas. Zhura defende que os que foram para gulags mereceram tal destino.Seria fácil, mas errado, subestimar Zhura, tratando-o como um maluco cuja defesa de Stalin condiz pouco sobre a opinião russa atual. No ano passado, Stalin ficou em terceiro numa pesquisa sobre a maior figura histórica do país.O processo foi aberto num momento em que a Rússia lança uma campanha para reabilitar Stalin. Nos livros didáticos, ele é descrito não como um assassino em massa, mas como um grande líder que derrotou os nazistas e industrializou uma União Soviética atrasada. O historiador de oposição Vladimir Ryzhkov lembra que o revisionismo do Kremlin é uma tentativa para justificar o seu próprio modelo autoritário, conhecido como "democracia soberana". Para Zhura, contudo, uma coisa é indiscutível : "Stalin era gentil, generoso e magnânimo, um gênio. Se ele matou milhões de pessoas, por que tanta gente ainda o ama?"

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