Cresce número de brasileiros que se convertem ao Islã

Já são 11,4 mil muçulmanos só na região metropolitana, segundo Censo 2010; gaúcho se torna primeiro sheikh brasileiro do País em mesquita administrada por libaneses

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Por Túlio Kruse
5 min de leitura
Na região metropolitana, São Bernanardo do Campo tema segunda maior comunidade muçulmana com aproximadamente 1.200 pessoas, segundo o Censo 2010 do IBGE. Estudiosos do Islã dizem que número real é maior. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Todos os sábados, um grupo de aproximadamente 60 fiéis ocupa o terceiro andar da mesquita do Pari, no centro de São Paulo, para uma aula de duas horas sobre o Alcorão. São comerciantes, médicos, artistas, dentistas, estudantes, ricos e pobres, de 18 a mais de 60 anos de idade. À esquerda da sala ficam os homens, enquanto as mulheres sentam-se à direita, e todos escutam o que tem a dizer um gaúcho de 39 anos, Rodrigo de Oliveira Rodrigues. À frente da Liga da Juventude Islâmica Beneficente do Brasil, instituição sunita, ele é o primeiro líder em São Paulo a fazer cerimônias em português.

“A maior parte das mulheres já está à procura de alguma religião quando chega ao islã, mas os homens vêm mais por curiosidade, gostam e ficam”, diz Rodrigues sobre o perfil dos muçulmanos brasileiros não árabes. 

Filho de pais católicos, o sheik converteu-se por volta dos 14 anos em uma mesquita de Porto Alegre. Depois de um curso na Arábia Saudita, ele se tornou referência religiosa no Sul e há menos de dois anos foi chamado para ser o primeiro sheik brasileiro em uma mesquita administrada por libaneses. Rodrigues diz que, em média, dez pessoas por mês são convertidas ao Islã apenas no Pari.

Hoje são cada vez mais brasileiros não árabes. A religião está se estruturando nas periferias, crescendo nos centros e misturando-se com outras culturas. Só na região metropolitana, há um total de 11.400 muçulmanos, segundo o Censo 2010 – em todo o País são mais de 35 mil fiéis. São Bernardo do Campo e Guarulhos tem grandes comunidades, e Embu das Artes e Francisco Morato são conhecidas por ter as maiores formadas por brasileiros convertidos, em vez de descendentes de imigrantes. 

“Eu queria entender o que se passava na cabeça dos muçulmanos, então fui procurar conhecê-los e tive um choque muito grande”, diz o estudante de Ciências Contábeis Antonio Pires, 28, de Itaquaquecetuba. Pires diz que esperava encontrar radicais quando começou a pesquisar sobre a religião há três anos, movido inicialmente pela curiosidade por política do Oriente Médio. Encontrou, porém, uma religião com bases semelhantes às do cristianismo e do judaísmo. “Eu passei a estudar o Alcorão, comecei a procurar na internet, sites, vídeos, e eu não tinha conhecimento nenhum (sobre a religião) aqui no Brasil.” Em aproximadamente um ano, estava convertido, com o nome árabe Ali, e frequentando o curso do sheik Rodrigo. 

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A trajetória do universitário é um exemplo típico da história mais contada em comunidades do centro e da periferia para explicar o crescimento do islã entre brasileiros. Intrigados pelo estigma da religião associado ao terrorismo desde o ataque ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001, os curiosos encontram um universo diferente nas mesquitas.

Vários recém-chegados à religião enfrentam resistência em casa. “Eles (parentes) não entendiam e pensavam que fosse me tornar um extremista, porque a religião aqui não é difundida e as pessoas não têm acesso à informação”, conta Pires, de família de formação cristã e espírita. 

Não foi diferente com Daud Jihad Al Hassan, de 21 anos, que tem mãe evangélica e prefere não revelar seu nome brasileiro por já ter sido skinhead. “Minha mãe achou que iam me levar para Israel para ser homem-bomba”, diz. 

Nascido em Poá, na zona leste de São Paulo, ele teve seu primeiro contato com a religião quando conheceu uma família de estrangeiros, no prédio em que trabalhava como porteiro. Os costumes da família e a forma como as mulheres se vestiam intrigavam Daud, e ele foi até a mesquita de Mogi das Cruzes para tirar dúvidas sobre o papel de Jesus no islamismo, a função do véu na vestimenta das mulheres, e o conceito de guerra santa. “E outras dúvidas foram as orações, porque eu já estava querendo me reverter”, ele conta. Hoje, ele vive com sua noiva, de Paraisópolis, que também abraçou o islamismo, em uma mussala (espaço para as cinco orações diárias) em Embu das Artes.

Ali, na Favela Cultura Física, a comunidade muçulmana cresce pelas mãos de Cesar Matheus, o idealizador do espaço que adotou o nome de Kaab Al Qadir. “A minha esposa não é muçulmana, e meus filhos não são todos muçulmanos. Só um é muçulmano, e eu amo todos da mesma forma. Meus pais são evangélicos, eu amo eles da mesma forma”, ele diz.

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As novas conversões estão gradualmente mudando também o público das mesquitas mais tradicionais de São Paulo. O ex-rapper e ativista Honerê Al Amin, fundador do grupo de cultura hip hop Posse Haussa, hoje é uma das figuras mais conhecidas na mesquita de São Bernardo do Campo, historicamente frequentada por descentes de sírios e libaneses. “Hoje eu encontro um grupo razoável de brasileiros frequentando as mesquitas, coisa que dez anos atrás você não imaginava que poderia acontecer” diz Honerê.

“O que eu posso dizer é que o islã está crescendo em todos os lugares, temos irmãos ex-presidiários que hoje são muçulmanos”, ele diz. “Temos a perspectiva de que, independente do que a pessoa fez no passado, se ela escolheu o Islã como meio de vida, será bem vinda.”

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