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O preço da democracia

Por Daniel Gerber
Atualização:

Artigo publicado originalmente no Estadão Noite Mais uma vez se noticia que um processo criminal de grande porte foi anulado pelas Cortes Superiores por força de atos ilegítimos praticados por magistrados durante a determinação de meios para a produção da prova dos autos. Normalmente tais atos versam sobre o indevido afastamento de sigilos telefônico e fiscal, motivados, estes, pela ânsia em se produzir uma prova que comprove de uma vez por todas a hipótese acusatória e, assim, faça o papel de bálsamo social, legitimando a punição àqueles que infringiram a lei. No caso noticiado (Banco Santos), o vício não foi por indevida elasticidade na produção da prova, mas, sim, pela sua falta. Isso porque não foi permitido aos advogados dos acusados que formulassem perguntas aos interrogandos - sabe-se lá por qual motivo...ausência de previsão legal?. O fato é que o princípio da ampla defesa jamais poderia ser tolhido por regra ordinária de processamento. A eventual ausência de previsão ordinária para perguntas entre corréus não traz condão de macular princípio constitucional, que, por sua dimensão, ilumina a aplicação do Direito, seja naquilo que esteja escrito, seja em suas lacunas. Pior: em se tratando de perguntas de corréus dirigida aos demais acusados, sequer há de se ventilar prejuízo às partes, eis que se defere o direito de um realizar a pergunta, e de outro, o interrogado, recusar-se a respondê-la - nemo tenetur se detegere (direito ao silêncio). Ou seja: a ampla defesa, neste caso, está a serviço de quem pergunta (pois pode tentar produzir a prova que lhe seja favorável) e de quem é perguntado (pois pode responder ou calar-se, sem prejuízo algum em adotar esta segunda opção), motivo pelo qual fica difícil entender por que tal situação foi negada no curso do processo. Enfim, e como já dito linhas acima, mais uma vez um processo criminal de grande repercussão foi anulado por erro judiciário em sua condução. O grave não é sua anulação, pois a democracia cobra um preço chamado respeito às regras do jogo; grave, isso sim, é percebermos que avança entre a magistratura brasileira o sentimento de que o juiz decide apenas em acordo com sua consciência, algo que, se levado à sério, não diferenciaria suas decisões daquelas adotadas por qualquer outra pessoa. Esta ideia foi batizada de “livre convencimento”, como bela forma de se maquiar a real extensão de suas premissas - decido como penso, e nada mais. Com o devido respeito à magistratura, juiz decide em acordo com a lei, e, se a lei não estiver em acordo com sua consciência, que reavalie sua capacidade de julgar o próximo dentro dos parâmetros de nossa democracia de Direito - pois ela tem um preço, e todos devem pagar.* Daniel Gerber é advogado criminalista do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados e professor de Direito Penal e Processo Penal

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