O refúgio após o fim da vida de pontífice

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Por JAMIL CHADE
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Às 20 horas do dia 28, os aposentos usados pelo papa Bento XVI serão fechados e, em seus trincos, um "sigillo" - uma espécie de lacre - será colocado para marcar o fim do pontificado. Mas a atitude de fechar as portas do apartamento usado pelo pontífice abre uma era inédita, que os próprios funcionários da Santa Sé ainda debatem: como administrar a presença de dois papas no território do Vaticano, ainda que um deles seja considerado renunciante.Joseph Ratzinger irá, num primeiro momento, para a casa de verão do Vaticano, no pequeno vilarejo de Castelgandolfo, meia hora ao sul de Roma. Situado no alto de um monte, o bonito palácio apostólico tem uma vista privilegiada da boca de um vulcão adormecido, hoje coberto de água e conhecido como Lago Albano.Lá, aguardará a reforma do que será sua nova residência, em um monastério dentro do Vaticano que passa por uma adaptação para receber Ratzinger. Não é fácil. Só a sua biblioteca pessoal tem cerca de 8 mil livros.Sem uma data marcada para a mudança definitiva, Joseph Ratzinger é aguardado em Castelgandolfo, de onde acompanhará as notícias do conclave. O jornal O Estado de S. Paulo esteve nesta terça-feira (12) no local e constatou que a população de apenas 9 mil pessoas não disfarça a curiosidade em torno do novo vizinho."O papa vem aqui todos os verões", contou a funcionária da prefeitura local Maria Bianchi. "Mas praticamente nunca o vemos. Agora que já não é papa, vejamos se vai andar pelas ruas da cidade e de repente até aceitará tomar um café lá em minha casa", disse, em uma mistura de ironia e esperança. Próximo à prefeitura, as irmãs ítalo-argentinas Lídia e Ana Maria Torrigiani também não disfarçam o interesse pelo novo morador, ainda que seja apenas por uma temporada. Elas, porém, têm razões menos religiosas para estarem entusiasmadas. São costureiras especializadas em produzir os paramentos dos cardeais e mantêm a única loja dessas peças na cidade."Bento XVI sofreu muitos nos últimos meses. Espero que possa descansar", disse Ana Maria, que chegou a se encontrar com o papa em três ocasiões."Ele gosta muito de dar comida aos patos que estão no jardim do palácio, além de ver os peixes orientais que ficam no lago interno do castelo", indicou. O palácio ainda conta com um telescópio de grande porte e abriga o Observatório Astronômico do Vaticano.Já Marie Noelle, uma freira da Costa do Marfim que também vive em Castelgandolfo, é mais enfática. "Até agora não entendi por que ele renunciou. A vida é mesmo cheia de mistérios", disse, enquanto subia com dificuldade e quase sem ar uma das ladeiras do vilarejo, carregando compras de supermercado.Alguns desses mistérios, porém, terão de ser solucionados rapidamente pelo Vaticano, onde, neste momento, há mais perguntas que respostas sobre o futuro de Ratzinger.A presença de um papa renunciante - não existe um ex-papa - e um papa reinante no mesmo território é inédita em seis séculos. Não há ainda um nome para o edifício onde ele será instalado. A própria Santa Sé admite que ainda está esperando "orientações" para saber como Ratzinger será chamado a partir do dia 28. Existem outros desafios: o Vaticano não sabe o que será feito das roupas do atual Papa.Dois papasO porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, afirmou que o fato de haver dois papas morando no mesmo território não causará problemas. "Apesar de ser uma situação inédita, não haverá problemas ter dois papas no Vaticano", disse.Para um dos principais conselheiros de comunicação do Vaticano, Greg Burke, o fato de Bento XVI ter escolhido um monastério para viver e trabalhar pelo resto de seus dias revela que ele adotará uma postura de "muito silêncio". "Isso é importante para não criar uma situação em que dois papas sejam influentes", disse.O Vaticano tem passado a mensagem de que Ratzinger começará uma "vida nova, dedicada ao estudo e reflexão". Para isso, ocupará o monastério Mater Ecclesiae, erguido originalmente em 1992 dentro dos muros do Vaticano para servir de residência para os jardineiros do Estado pontifício.João Paulo II, porém, logo depois o transformaria em hospedagem temporária para ordens religiosas que, a cada cinco anos, mudam de endereço. Em outubro de 2012, porém, a última ordem deixou o local e, no lugar de anunciar novos moradores, Bento XVI ordenou uma ampla reforma. É um indicador de que, já naquele momento, sabia que as acomodações serviriam para ele mesmo.Lombardi indicou que havia sido o desejo de Bento XVI ficar dentro das muralhas do Vaticano. "Assim ele se sente mais seguro", explicou. No jardim, ao pé de sua porta, árvores com laranjas e limoeiros são cultivados com fertilizantes orgânicos produzidos nos jardins de Castelgandolfo.No Vaticano, há quem afirme que Bento XVI esperava que as obras estivessem prontas em março.Nesta terça (12), caminhões e operários aceleravam o ritmo dos trabalhos. Mas o que não terá como ser acelerado é outra obra que o papa deixará incompleta: sua quarta encíclica, sobre a Fé, que estava sendo escrita para ser divulgada na Páscoa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

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