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O vento pode virar

Por Marcos Sá Corrêa
Atualização:

Tromba d"água, em qualquer lugar, cai de repente. Mas, nas cidades serranas do Rio de Janeiro, desastre ambiental é notícia velha. Data no mínimo de cinco anos, pela tabela em que a procuradora Vanessa Seguezzi listou ações civis públicas na Área de Proteção Ambiental de Petrópolis. Dela consta, por exemplo, a tentativa de "conter a expansão das ocupações irregulares" na "Comunidade da Vila União, acesso pela Estrada Velha, Rua Lopes Trovão". É uma história de 2005. Em 2009, saiu a liminar que mandava a prefeitura "demolir as moradias desocupadas no prazo de 60 dias, sob pena de multa diária de R$ 10 mil" e encomendava ao Ibama a restauração da floresta nas áreas ainda desocupadas, "no mesmo prazo e sob a mesma pena", determinando que ambos ficassem dali para a frente encarregados de fiscalizar o local "bimestralmente", contra a construção de novas casas. Dito assim, parece que foi tiro e queda. Mas, na coluna seguinte, vem uma anotação que suspende todas as presunções em contrário: "Aguardando sentença". Naquele mesmo ano, começou o processo de "reparação e compensação dos danos ambientais ocorridos na Rua Professor Stroller, n.º 1.883, Quarteirão Brasileiro". Ibama e prefeitura foram intimados a apresentar em 150 dias um "estudo técnico da área de risco". E a administração municipal, a proceder à "retirada e realocação dos habitantes", nos termos do tal estudo técnico, "informando ao juízo as eventuais pessoas que se recusarem a deixar o local". Mas o espaço reservado às informações sobre a exceção dessas ordens está ocupado por um lacônico "não há". Coisa que só acontece em favela? Quem dera. Existe uma ação de 2003 contra danos ambientais "ocorridos na Ladeira Nair de Oliveira Kronemberg" como sempre por "ocupação irregular". Entre os proprietários, há um Kronenberg, o sobrenome da rua. Pelo cadastro do IPTU, os imóveis pertencem à Companhia Imobiliária Quitandinha. Ali também caberia à prefeitura "realocar as famílias e demolir todas as ocupações irregulares". Ao Ibama, "apresentar projeto de reflorestamento". A todos os réus, executá-lo. Nesse ponto, mais uma vez, a história acaba de repente. Não dá mesmo para exigir muita eficácia de um município que, segundo Seguezzi, "destina R$ 6,5 milhões à área da Cultura", "R$ 310 mil ao meio ambiente" e "R$ 370 mil à habitação". Dos dez casos arrolados pela procuradora, só um, iniciado há mais de cinco anos na Rua Hermógenes Silva, bairro do Retiro, terminou em "sentença condenatória", cinco meses atrás. O resto foi deixado no ar - se não caiu sobre alguém nas últimas chuvas. Além das ações e de 12 inquéritos contra ocupações regulares, Vanessa Seguezzi está juntando contra "condomínios irregulares" na APA de Petrópolis. Santo remédio contra a lenda de que a lei só cai em lombo de pobre. Fora os processados e os procuradores, até poucos dias atrás ninguém teria maiores motivos para manter os olhos sobre esse inventário. Mas ele desceu a serra com a enxurrada. Chegou, no Rio, ao gabinete da procuradora Cristina Schwansse Romanó, que é chefe da Procuradoria-Geral da República na 2.ª Região. Ali, inspirou um pedido para que o Ministério Público siga, em Teresópolis e Nova Friburgo, o exemplo de Petrópolis, e lhe envie dossiês semelhantes. Romanó, pelo cargo que ocupa, tem linha direta com o plenário do Tribunal Regional Federal. É nessa instância que se processam administradores municipais. E, numa calamidade que até o momento teve mais de 700 mortos e nenhum culpado, eis o primeiro sinal de que os ventos podem virar.

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