Propinas e sonegações

É grave a inversão que se observa em alguns membros do Ministério Público, que buscam as histórias que possam fortalecer a tese de que todas as instituições públicas, exceto o Ministério Público, estão podres

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Durante o julgamento do processo contra a chapa Dilma-Temer, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, mencionou que procuradores do Ministério Público Federal (MPF) têm adotado a prática de considerar como propina toda e qualquer doação eleitoral. Prontamente, o vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, reagiu, negando que o Ministério Público misture os conceitos de caixa 2, propina e doação eleitoral. “A Procuradoria-Geral da República (PGR) nunca confundiu esses conceitos e essas categorias”, disse Dino.

PUBLICIDADE

Certamente, seria muito oportuno que a atuação do Ministério Público se coadunasse com as palavras do vice-procurador-geral eleitoral e, principalmente, com o que a lei dispõe. Alguns membros do Ministério Público, no entanto, não parecem preocupados em fazer essas distinções. Antes, dão a entender que seu objetivo é justamente o oposto.

Exemplo desse pouco rigor da atuação de alguns membros do MPF é o tratamento dado a delações relatando milhões e milhões de reais oriundos de caixa 2 das empresas, como se isso fosse verdade inconteste. Ora, caixa 2 é sinônimo de dinheiro não contabilizado, e, como se sabe, não é nada fácil, nos dias de hoje, manter um grande volume de dinheiro não contabilizado. Uma delação como a da JBS, que relata o pagamento de R$ 1,4 bilhão a políticos, sendo que apenas R$ 400 milhões seriam “oficiais”, merece uma boa dose de ceticismo. Somem-se as parcelas citadas em todas as fases da Lava Jato e ter-se-á um país de sonegadores, antes de mais nada.

Essas cifras de caixa 2 representariam um atestado de incompetência da Receita Federal em cobrar o que é devido. Ora, o Estado brasileiro tem um órgão arrecadador eficiente e tecnicamente preparado para evitar tamanha falcatrua.

Nessas histórias de altas somas de caixa 2, o mais provável é que os delatores estejam deliberadamente fazendo uma confusão de conceitos. Chamam de caixa 2 aquilo que é caixa 1 - recursos cuja entrada na empresa foi devidamente contabilizada, mas que, por algum motivo, teve sua saída camuflada. Em vez de anotar contabilmente que o dinheiro foi para um político, por exemplo, a saída era justificada com alguma nota fria de um serviço supostamente contratado pela empresa.

Logicamente, tal operação é ilegal. A questão é que a história real - reconhecendo que era dinheiro oriundo de caixa 1, e não de caixa 2 - acarreta uma maior dificuldade para incriminar quem recebeu o dinheiro. Deixa de ser mero “dinheiro ilegal”, exigindo dos órgãos investigativos e persecutórios, Polícia Federal e Ministério Público, um pouco mais de trabalho para provar o ilícito de quem recebeu. Ou, em alguns casos, até mesmo para reconhecer que quem recebeu aqueles valores não cometeu crime algum. Às vezes, o crime foi apenas de quem doou.

Outro exemplo de imprecisão do Ministério Público ocorre no tratamento dado à propina. Os procuradores parecem desejar a todo custo que as doações eleitorais sejam consideradas propina. Nos vídeos das delações, os colaboradores da Justiça entenderam perfeitamente quais são as palavras que devem usar para descrever suas ações. Em caso recente, um dos delatores da JBS, num lapso de atenção, mencionou “doação”, mas logo retificou: “Quero dizer, propina”.

Publicidade

É óbvio que as doações feitas pelas empresas às campanhas envolviam interesses econômicos, o que gerava evidentes distorções na representação política. Foi justamente por esse motivo que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu essas doações em setembro de 2015. Isso não leva, porém, a que todas as doações realizadas até então sejam sinônimo de suborno.

O objetivo de toda investigação deve ser a descoberta do que realmente aconteceu. É grave a inversão que se observa em alguns membros do Ministério Público, que buscam as histórias que possam fortalecer a tese de que todas as instituições públicas, exceto o Ministério Público, estão podres. Deveriam estar a serviço da lei, não de suas teorias políticas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.