Roupa suja lavada em público na Usiminas

Marco Antonio Castello Branco: presidente da Usiminas. Contratado para mudar a empresa, executivo diz que denúncias ao MP e queixas a sócios tentam desestabilizar sua gestão

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Por Ivana Moreira
Atualização:

BELO HORIZONTEDa estrutura dos negócios à logomarca da empresa, o engenheiro Marco Antônio Castello Branco mudou quase tudo na Usiminas nos últimos dois anos. Quando assumiu a presidência, em 2008, ele recebeu carta branca dos acionistas para mudar a cultura da companhia, fortemente marcada pelos 17 anos de comando do ex-presidente Rinaldo Campos Soares - que continua na empresa como membro do Conselho de Administração. As mudanças aborreceram parte dos funcionários. As queixas transbordaram e criaram situações constrangedoras.Numa investigação que corre em sigilo de Justiça, a Usiminas é acusada de ter submetido executivos a assédio moral e sexual durante treinamentos realizados pela consultoria SID APA, do médico e antropólogo Ely Bonini. Junto com as notícias sobre a investigação conduzida pelo Ministério Público, chegaram ao mercado rumores de que o mandato do executivo, que vence em 30 de abril, não seria renovado. Os acionistas, principalmente os japoneses da Nippon Steel, não estariam satisfeitos com os problemas internos e com a performance no mercado. A Usiminas perdeu terreno para a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) no mercado automotivo, onde sempre foi líder com folga. Castello Branco deixou um cargo no alto comando da V&M na França para assumir a Usiminas. Afirma que tudo não passa de intriga, manobra para desestabilizar a imagem de sua gestão e prejudicar o processo de mudanças na siderúrgica. A seguir, os principais trechos da entrevista.Resistência é normal em processos de mudança nas corporações. Mas na Usiminas parece ter atingido níveis fora do padrão. Foi uma surpresa para o sr.?A baixa qualidade da resistência, que chega ao ataque pessoal, me surpreendeu. A quebra de dogmas antigos está gerando uma resistência brutal, animalesca. É preciso ter paciência e firmeza. Dei um azar muito grande, que foi a crise. Mais ou menos como aconteceu com o Barack Obama (presidente dos EUA). O negócio estourou na mão dele. Ele é o portador do futuro, mas ao mesmo tempo... Que cara azarado, né? Como é ter, nesse processo de mudança, o ex-presidente sentado no conselho de administração?Muito ruim isso, péssimo. No caso específico dos objetivos que essa organização e os seus acionistas me deram, isso dificulta porque é constrangedor. Que percepção os acionistas têm desse conflito?Isso é muito constrangedor, principalmente para o acionista japonês (Nippon Steel). Não faz parte da cultura dos japoneses chegar a um conflito tão explícito. Todos os acionistas brasileiros que estão no grupo de controle tinham a expectativa de que a coisa não ia ser fácil. Não está sendo tão surpresa para eles quanto está sendo para mim o baixo nível a que chegou esse negócio. A Nippon Steel cobrou explicações sobre o que está acontecendo?Claro. Estão chegando cartas anônimas no Japão, para o presidente do Conselho. Eles não estão gostando disso. Hoje eu gasto 40% do meu tempo dando explicação, visitando, recebendo, convidando as pessoas para vir e ver em vez de acreditar no que estão dizendo por aí. No momento em que estamos começando a sair da crise, com grandes investimentos para decidir, precisamos ficar resolvendo esse fuxico corporativo. Há boatos no mercado de que a renovação de seu mandato está por um fio...O conselho de administração da Usiminas pode demitir o presidente a qualquer momento. Não tem de dar satisfação, não precisa esperar a data de renovação do mandato, no dia 30 de abril. Fiz uma consulta ao conselho da Usiminas e o retorno foi a confirmação da necessidade de fazer a transformação. Esse fuxico corporativo tem é o objetivo de desestabilizar. Uma de suas metas é rejuvenescer o corpo de executivos?O perfil etário obrigava a, no meio do caminho, ter de substituir. Quarenta por cento dos superintendentes executivos, o nível abaixo da diretoria, estavam aposentados e tinham acima de 62 anos. Quase a metade do primeiro time era de aposentados. Não é que o aposentado é ruim. Mas isso significa que tem gente presa embaixo. Estamos sem poder dar maturidade de gestão para essas pessoas. Nós temos muito MBA aqui sem prática. A demissão de funcionários tão antigos foi o principal substrato para o tal fuxico corporativo?Criamos as tais partes contrariadas. E foi um número expressivo e concentrado na região de Belo Horizonte e Ipatinga. É o pessoal que mora no mesmo bairro, frequenta o mesmo clube, joga peteca junto.Era possível fazer isso de forma menos traumática?Na Usiminas, o clima é meio passional. Os indivíduos se apropriam da instituição, é uma relação de paixão, de ciúme. O que faria diferença seria a dilatação no tempo. Não deu para fazer por causa da crise, paciência. Maquiavel fala: a maldade você faz toda de uma vez e a bondade a conta-gotas.A consultoria que o senhor contratou está sendo atacada por todos os lados...É uma grande injustiça. O cara (prof. Ely Bonini) foi condenado por alguma coisa? Falar que tem assédio sexual, isso é baixeza. O cara tem uma história. Para quantas empresas ele já trabalhou? Na Mannesmann, eu trabalhei com ele desde 2001.Como executivo, o sr. foi submetido aos mesmos métodos que trouxe para Usiminas?Eu queria uma consultoria de recursos humanos brasileira, localizada em Belo Horizonte e que tivesse, principalmente, um diferencial científico. Na área de psicoantropologia social, existe ciência. Aqui em Belo Horizonte tinha o grupo formado pelo professor Bonini, que é professor, médico, antropólogo, de experiência pessoal muito rica. Não queria simplesmente um livrinho de autoajuda. É preciso situar a nossa empresa no contexto brasileiro. Nós somos um povo colonizado. Nessa região de Minas Gerais, nós vivemos o coronelismo. Quando você vai para o chão de fábrica, o supervisor tem o papel do sargento, isso faz parte da nossa história.Quando o sr. conheceu a consultoria SID APA?Quando fomos mudar a Mannesmann. Em 2000 assumi a presidência de uma empresa que tinha sido vendida para a Vallourec. Em vez de ser controlados por alemães, passamos a ser controlados por franceses. E vínhamos de uma crise, de prejuízo atrás de prejuízo. Não conheço nenhuma empresa onde o SID APA tenha trabalhado que não esteja muito bem, com lucro. O sr. concorda que esses métodos possam ser constrangedores para alguns diretores?A condição da SID APA para trabalhar é que a diretoria participe. Porque normalmente as dificuldades de uma organização começam lá no topo. Eu participei, lá na Mannesmann, e tomei isso como um valor. Você não tem como fazer o processo de transformação do ambiente em que você trabalha se você não se transforma. Mas nesse trabalho ninguém fica falando de vida pessoal. É absurdo quererem configurar invasão da intimidade, da integridade pessoal. Então o senhor está tranquilo em relação às denúncias feitas ao Ministério Público?Muito tranquilo. É manipulação. Não admito que isso tenha acontecido.Não houve nenhuma reclamação interna antes da denúncia ao MP?Nós temos o canal aberto, você entra na intranet e vai encontrar umas 80 denúncias de assédio. Tem uma de um operário que entrou no banheiro e bateram nele, lá em Cubatão. Tem reclamação de chefe que trata mal, que xinga todo dia. Tem reclamação de chefe que pede dinheiro emprestado sob ameaça de mandar o subordinado embora. Nós escutamos todas, analisamos, encaminhamos para o comitê de conformidade. Mas sobre isso (contra o professor Bonini) não tem nada. No Ministério Público não tem ninguém que está reclamando que ganha menos de R$ 20 mil por mês.Que consequências as investigações do MP poderão trazer para a Usiminas?Nós fizemos um termo de compromisso, não é um termo de ajuste de conduta porque nós não aceitamos que houve desvio de conduta. Mas acertamos determinados procedimentos. Vamos explicitar o que não estava explícito. O sr. fez grandes mudanças na estrutura de negócios, dividindo a Usiminas em quatro eixos. O que o senhor pretende com essas mudanças?Existe a convicção que a Usiminas não está adequadamente precificada. Uma das coisas que afetam isso é exatamente a falta de noção de quanto contribui cada tipo de negócio para a geração de valor. Iniciou-se então este trabalho de organizar os quatro eixos básicos da Usiminas: mineração e logística, siderurgia, transformação do aço, bens de capital. O mercado já começou a perceber melhor a Usiminas?Precisamos fazer mais, precisamos comunicar a contribuição de cada segmento no faturamento. A partir deste ano, vamos divulgar os resultados da Usiminas por segmento, quanto contribuiu mineração e logística, siderurgia, bens de capital, transformação do aço. Como a crise complicou os planos de reestruturação dos negócios da Usiminas?Fazer um processo de transformação num ambiente de recessão, com necessidade de redução dos quadros, é mais complicado. Ao mesmo tempo, a crise abre oportunidades. Temos um bom exemplo. Havia muita resistência, quase um preconceito, com o próprio minério da Usiminas. Comprar de terceiros era melhor do que adaptar nossos altos-fornos. Em 2008, num momento difícil, a diferença de custos foi tão grande que conseguimos ampliar o uso do minério próprio. Chegamos a usar 100% de minério próprio em Cubatão. Isso só foi possível, na velocidade que conseguimos fazer, por causa da emergência que a crise nos impôs. A Usiminas perdeu espaço para CSN no mercado automotivo e essa é outra crítica que fazem à sua gestão...A Usiminas perdeu participação, particularmente aqui em Minas Gerais, com a Fiat, por um problema de oferta. Antigamente, tínhamos um mix de fornecimento para a cadeia Fiat com alguma participação de material galvanizado. Em 2007, a Fiat fez uma alteração das especificações técnicas e trocou o laminado a frio por mais galvanizado. Mas encontrou a Usiminas, que sempre foi seu principal parceiro, sem capacidade de atendimento. Mesmo com todas as 430 mil toneladas vendidas, a Usiminas ia perder participação porque o mercado cresceu. A autocrítica que fazemos, a direção, é que estamos atrasados. O processo de ampliação será concluído neste ano e chegará ao mercado em 2011. Essa reverberação de que a Usiminas está perdendo mercado é também uma disseminação de informação com intuito de afetar a imagem da gestão que estou fazendo.Que reflexos terá essa demora na decisão? Dá para recuperar a participação de mercado?Claro que tem reflexos. Se não tivéssemos uma deficiência de oferta, poderíamos nos sustentar melhor no crescimento da demanda, ter um atendimento mais global para nosso cliente. Tem jeito de recuperar? Tem. Vamos ter no ano que vem aumento da capacidade e tecnologia top de linha, produzindo aço galvanizado premium. Vamos entrar com 500 mil toneladas de uma vez, mais competitivos, em condições de oferecer preços mais adequados. Somos um fornecedor muito tradicional do setor automotivo. E, com um aço de alto valor agregado, vamos poder ter também um posicionamento mais consistente no setor de construção civil. Quem é Marco Antonio Castello Branco Formado em engenharia metalúrgica pela Uiversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com mestrado e doutorado na Alemanha. Tem 49 anos Entrou na antiga Mannesmann como estagiário, em 1983. Com a fusão da empresa com o grupo francês Vallourec, tornou-se presidente da companhia no Brasil. Em 2004, assumiu funções no alto comando do grupo na França. Acumulava a presidência do Conselho de Administração da empresa no Brasil. Dois anos atrás, foi contratado para comandar a Usiminas

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