Sobre a polêmica entre governo e TCU

Artigo publicado originalmente no Estadão Noite Questões jurídicas devem ser apreciadas à luz da ordem normativa posta. Para tanto, deve o intérprete adotar uma postura neutra, isenta de emoções, de paixões político-partidárias, de interesses escusos ou menos nobres.

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Por Márcio Cammarosano
Atualização:

Ainda que o ideal de neutralidade seja de alcance dificílimo, todo o esforço há de ser no sentido da busca da verdade, ainda que se possa cogitar de várias verdades em face mesmo da diversidade possível de opiniões, não obstante os que divirjam possam ou devam estar comprometidos com os imperativos da liberdade e honestidade intelectuais.

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A questão de se saber se procede ou não a tentativa do governo federal de obter o afastamento de ministro do Tribunal de Contas da União do julgamento, por referida Corte, das contas da presidente da República, deve ser resolvida em face de duas premissas, quais sejam: o que se imputa como sendo comportamento do ministro relator supostamente ofensivo à ordem jurídica posta? O que prescreve, quanto à matéria, a legislação aplicável à espécie?

Segundo consta, o ministro relator teria antecipado seu voto, que caiu no domínio público, antes da sessão de julgamento marcada para esta quarta-feira, dia 7 de outubro. Assim procedendo, estaria sendo criado constrangimento indevido para os demais ministros, resultando no comprometimento da validade do julgamento.

Mas consta também que o ministro relator apenas liberou o teor do seu relatório/voto para os demais ministros, consoante prevê o Regimento Interno do Tribunal de Contas - e que se caiu no domínio público, isso não lhe pode ser imputado. Em rigor, teria dito o ministro relator que só distribuiu a seus pares a minuta do relatório e do seu parecer, não antecipando sua opinião final, isto é, seu voto, a ser proferido na sessão de julgamento das contas.

Se os fatos se passaram exatamente como acima registrado, não vemos como possa prosperar o pleito governamental de suspensão do julgamento, a ser afinal promovido com o prévio afastamento do ministro relator.

O conhecimento público do relatório encaminhado pelo relator aos demais ministros não nos parece suficiente para dizer que se trata de ministro suspeito ou impedido, ou que os demais ministros possam, em razão dos fatos noticiados, ver comprometida sua imparcialidade ou independência. Nunca é demais recordar que, nos termos da Constituição da República, desfrutam de garantias constitucionais, dentre elas a da vitaliciedade, o que lhes proporciona a necessária e suficiente independência no exercício de suas nobres funções.

No caso, os dispositivos regimentais em tese aplicáveis são os artigos 39, VII e 227 assim redigidos:

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Art. 39. É vedado ao ministro do Tribunal: VII - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou emitir juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício de magistério;

Art. 227. O relator, até cinco dias antes da data da sessão a que se refere o artigo anterior, fará distribuir cópia do relatório e do parecer prévio ao presidente, ministros, ministros-substitutos e ao representante do Ministério Público junto ao Tribunal.

Destarte, é preciso verificar com extremo cuidado se o ministro relator: a) limitou-se a cumprir o que prescreve o art. 227 - hipótese em que deverá ser rejeitado o pedido de seu afastamento do julgamento, ainda que referido relatório/parecer tenha caído no domínio público, mas não por falha sua, ou b) violou o disposto no art. 39, hipótese em que deverá ser afastado.* Márcio Cammarosano é presidente da Comissão de Estudos de Direito Administrativo do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo

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