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Solução de 'meio-termo' põe Amazônia em relatório do IPCC

Quadro proposto pelo Brasil só foi aceito na última hora.

Por Pablo Uchoa
Atualização:

Uma solução "de meio-termo" aceita apenas no final de uma longa negociação foi necessária para colocar no relatório final do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) uma menção à floresta amazônica. Por iniciativa brasileira, incluiu-se um quadro apresentando exemplos de regiões que podem ser afetadas pela mudança climática em todo o mundo, entre as quais estão a Amazônia e o semi-árido nordestino. "Até meados do século, projeta-se que aumentos de temperaturas associados à redução do nível de água no solo ocasionarão uma substituição gradual da floresta tropical por savana no leste da Amazônia", diz um trecho do quadro. "A vegetação semi-árida tende a ser substituída por vegetação árida." A tabela, que não constava dos últimos rascunhos do relatório político do IPCC, foi aprovada apenas na quinta-feira à noite, depois que negociadores brasileiros insistiram na necessidade de citar possíveis conseqüências do aquecimento global sobre a maior floresta tropical do mundo. Na quarta-feira, a BBC Brasil apurou que os negociadores haviam deixado de mencionar um tema tão sensível para o Brasil ao aprovar a parte do relatório que alertava para os impactos a serem percebidos nos ecossistemas e regiões mais ameaçados. Os cientistas destacaram a diminuição do gelo no Ártico, a exposição das pequenas ilhas à elevação do nível do mar, as chances de tempestades nos deltas de rios asiáticos e a vulnerabilidade da África. A inclusão da Amazônia nos relatórios do IPCC vinha sendo defendida pela delegação brasileira desde a apresentação do segundo documento, em Bruxelas, disse à BBC Brasil o coordenador-geral de Mudança Climática do Ministério da Ciência e Tecnologia, José Domingos Gonzalez Miguez, negociador-chefe em Valência. Ele afirmou que os cientistas relutavam em colocar a floresta tropical brasileira nos textos por falta de informações sobre os possíveis impactos da mudança climática no ecossistema. Já as evidências sobre o impacto no semi-árido eram mais fortes, por conta de estudos sobre este tipo de vegetação - não necessariamente no Nordeste brasileiro - publicados no exterior. "O quadro foi um compromisso (de meio-termo), uma solução encontrada para incluir a Amazônia no relatório-síntese", afirmou o negociador. Para Miguez, a presença reduzida de cientistas latino-americanos em comparação com as delegações de países desenvolvidos ajuda a explicar o foco menor em outras regiões. Outra razão é a prioridade dada pelo IPCC a pesquisas publicadas nas principais revistas acadêmicas estrangeiras. Acaba-se dando mais peso aos estudos realizados em inglês, embora a maior parte da literatura sobre a Amazônia esteja em português ou espanhol. Como resultado, ele afirmou, o IPCC corre o risco de acabar chancelando uma visão "nortista" dos fenômenos climáticos, sob a perspectiva de países do hemisfério norte. A ausência da Amazônia no relatório-síntese do IPCC neste ano contrastaria com as palavras do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que neste sábado divulgou o documento oficialmente em Valência. "Na Amazônia, vi como a floresta, o 'pulmão da terra' está sendo sufocada", disse o secretário-geral, que acaba de voltar de um giro pela América do Sul, aos representantes de 130 países. "Se a previsão mais forte do grupo (IPCC) se tornar realidade, grande parte da selva amazônica se transformará em savana." O IPCC analisa vários modelos que estimam o impacto da mudança climática sobre a Amazônia. A continuarem as atuais políticas públicas, entre 10% e 25% da floresta poderia virar savana até 2080, dizem os cientistas, uma hipótese que o IPCC considerou "mais provável que improvável". Entre os modelos considerados mais "catastróficos", está o elaborado pelo britânico Hadley Centre, que mostra o ecossistema desaparecendo completamente até 2080. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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