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Violência contagiosa

Um adolescente teria 180% mais chances de atacar outra pessoa se um amigo já fez isso

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Por É PSIQUIATRA
Atualização:

Na última semana, o espancamento até a morte de um ambulante de 54 anos na Estação Pedro 2.º do Metrô, na região central de São Paulo, cometido por dois jovens, de 21 e 26 anos, nos leva a pensar nas causas da violência, que vem ganhando força entre os mais novos, principalmente entre os homens. Um novo estudo divulgado na última semana acrescenta mais um elemento nessa complexa equação.

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Pesquisadores da Universidade do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, sugerem que a violência se espalha como uma doença entre os jovens. Um adolescente tem 180% a mais de chance de atacar uma outra pessoa se um amigo já praticou um ato dessa natureza. O efeito dessa “contaminação” é tão potente que até se o amigo de um amigo já cometeu alguma forma de agressão, as chances de a pessoa ser violenta são maiores. Essa influência atinge até conhecidos menos chegados (com até quatro níveis de separação).

O trabalho, publicado no American Journal of Public Health e divulgado pelo jornal inglês The Independent, mostra que esse contágio (conhecer alguém que já praticou o ato de agressão) se reproduz nas diversas formas de violência: atacar e machucar gravemente uma outra pessoa (chance 183% maior), se envolver em uma briga séria (48% maior) e dar um tiro (risco 140% maior).

Os pesquisadores analisaram dados de 6 mil jovens, de 14 a 18 anos, de mais de 140 escolas americanas, que fizeram parte do estudo longitudinal de saúde do adolescente, que registra dados desde os anos 1990. Para eles, a violência pode se espalhar de forma importante dentro de uma mesma comunidade, “viajando” entre as redes sociais dos amigos.

Diversos estudos já mostraram que as relações sociais dos jovens são importantes para a reprodução de uma série de atitudes e comportamentos (felicidade, obesidade e tabagismo, entre outras) e, no caso da violência em especial, essa influência parece ser particularmente significativa.

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Os dados sugerem que é importante trabalhar a violência de forma preventiva, principalmente em grupos sociais em que ela é muito prevalente. Quando se foca em um indivíduo, outros amigos e conhecidos também podem se beneficiar. Discutir o tema em grupos em que as relações sociais são muito intensas (clubes, escolas, amigos da rua) pode ser uma estratégia para potencializar esse impacto.

Equação complexa. Mas não é apenas o “contágio” social o responsável pela violência que cresce em diversos territórios, em boa parte das cidades do País. A violência é, aliás, a principal causa de morte entre os homens jovens no Brasil. Esses números são ainda mais preocupantes na população negra. Por aqui, a exclusão social, o envolvimento com o tráfico de drogas, a pobreza, a falta de apoio familiar, os preconceitos, a homofobia, as diversas vulnerabilidades que potencializam a impulsividade e as agressões são fatores marcantes. Para completar, o abuso do álcool é um potente catalisador dessa equação.

Os depoimentos iniciais acerca do brutal assassinato do ambulante na última semana revelaram que um dos jovens que cometeram o crime teria sido vítima de uma desilusão amorosa recente e que teria consumido álcool em excesso junto com seu primo. Segundo o site UOL, uma tia deles chegou a dizer que a dupla havia bebido cinco litros de cachaça e duas garrafas de vodca no dia do Natal. Além disso, os jovens já teriam destruído o portão da casa de uma vizinha, com quem tinham discutido, ao sair de casa no dia do crime.

Curioso notar, ainda segundo a tia, que o pai do jovem foi morto quando ele era ainda garoto, vítima de uma briga na Rua Lavapés, no Cambuci, a cerca de 2 quilômetros (menos de 30 minutos de caminhada) do local onde ele cometeu sua agressão.

Será que como, sugere o estudo, ter essa proximidade com um crime não torna para as pessoas muito mais fácil cometer um episódio de proporções parecidas? Longe de justificar o assassinato, a informação talvez mostre a importância de agir de forma urgente e preventiva em territórios mais vulneráveis, para evitar a proliferação dessa onda de violência.

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