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Nossos filhos nas redes sociais

Ante indícios de que as redes contribuem para transtornos mentais de crianças e adolescentes é preciso garantir mais controle dos pais e impedir a monetização de seus dados e engajamento

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Por Notas & Informações
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Muita tinta e saliva têm sido gastas sobre o papel das redes sociais na polarização política e na degradação da verdade. Se em geral elas favorecem a “arte da associação”, que Alexis de Tocqueville via como chave de uma democracia vibrante, seus elementos tóxicos a deterioram. Mas, além da cultura cívica que essa geração legará à próxima, eles podem estar degradando a saúde mental dos herdeiros. O “risco pode ser profundo”, adverte um relatório da principal autoridade de saúde americana, dr. Vivek Murthy.

Fato: algo terrível aconteceu com a Geração Z, nascida após 1996. Na última década, as taxas de depressão, ansiedade, comportamentos autodestrutivos e suicídios escalaram entre crianças e adolescentes, justamente os que cresceram sob o uso massivo e diário das redes viabilizado pelos smartphones. Correlação não implica causalidade, e, mesmo sendo uma causa, as redes não são a única. Mas há indícios de que, além de reforçar as outras, elas são a principal.

Algo dessa ansiedade pode refletir a ansiedade dos pais com tensões políticas e sociais. Uma cultura protecionista e a pressão por resultados deixa às crianças cada vez menos tempo para atividades livres e não supervisionadas entre si, minando o desenvolvimento de suas habilidades em cooperar, ceder, solucionar conflitos e tolerar adversidades. Essa psique fragilizada é palpável nos campi, onde universitários “cancelam” opiniões que são sentidas como “violência”.

A terceirização da educação e recreação para as telas pode ter um papel no isolamento dos jovens. Sua relação com transtornos mentais é mais incerta. Nesse sentido, as telas seriam como um novo alimento. A comida é necessária à vida; desbalanceada, é nociva. As telas seriam como açúcar, dispensável para a nutrição, mas saboroso, e, em excesso, pernicioso. Já as redes parecem ser algo mais. Não são como veneno de rato, tóxico para todos, mas mais como o álcool, uma substância medianamente viciante que facilita interações sociais, mas pode levar à dependência e depressão de uma minoria. Para jovens em desenvolvimento cerebral e emocional, alerta Murthy, as sequelas podem ser agudas.

Por décadas as mídias tradicionais, sob pressão social e governamental, se autorregularam para manter seu conteúdo amistoso às famílias. Isso contrasta com a anarquia online. No caso das redes, há uma novidade radical. Os usuários não são só espectadores, mas interagem com os produtores de conteúdo e, sobretudo, expõem seus conteúdos. E há o modelo de monetização: utilizando dados pessoais para maximizar o engajamento dos usuários e expô-los à publicidade, o desenho dos algoritmos estimula o vício, a agressão, conspirações e outros comportamentos antissociais.

Adolescentes são singularmente sensíveis ao julgamento de amigos e da multidão digital. “As mídias sociais parecem sequestrar esta sensibilidade aguda aos pares e induzir a um pensamento obsessivo sobre a imagem corporal e a popularidade”, advertiu o psicólogo Jonathan Haidt.

Murthy e Haidt recomendam às famílias estratégias, como confraternizações offline, e convergem em focos regulatórios que obriguem as redes a permitir que pesquisadores acessem seus dados; a dar, via controles parentais, mais poder aos pais e menos às empresas, que deveriam inclusive ser responsabilizadas por danos causados por ou a menores que utilizem perfis não autorizados por um adulto responsável; e a criar ambientes adequados às crianças, caso não consigam mantê-las afastadas. Crucial é impedir a monetização de seus dados e engajamento tal como se faz com adultos.

No mundo “real” os jovens estão sendo introduzidos no espaço público adulto cada vez mais tarde; no mundo “virtual”, cada vez mais cedo. Para piorar, a praça pública digital é controlada por corporações que, para maximizar seu lucro, estimulam a adicção e comportamentos intrusivos e performáticos numa competição por popularidade. Enquanto os adultos dessa geração avaliam as consequências desse ambiente para si, a prudência exige manter seus filhos a uma distância segura.