Imagem ex-librisOpinião do Estadão

‘Parlamentarismo’ sem freios

O Congresso não pode apenas acumular poder e exercê-lo sem quaisquer controles. A República não admite Poderes incontidos. Passa da hora de o País discutir a sério o ‘semipresidencialismo’

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Por Notas & Informações
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A série de derrotas que o presidente Lula da Silva tem amargado no Congresso, cujo ápice foi a diluição de seu poder para determinar até mesmo como seria a organização administrativa do governo, revela que o presidencialismo agoniza no Brasil – não do ponto de vista jurídico-institucional, mas em sua natureza, vale dizer, como a forma de governo na qual o presidente da República é quem se ergue como principal indutor da agenda nacional. Nesses primeiros meses de mandato, Lula tem sido muito mais um coadjuvante do que um protagonista na orientação dos rumos do País.

O que se vê instalado no Brasil há alguns anos é um modelo de governança a um só tempo disfuncional e muito distante do espírito da Constituição de 1988. Em troca da chamada governabilidade, presidentes fracos – seja moral, política ou administrativamente – têm cedido cada vez mais poder ao Congresso, que, por sua vez, o tem exercido sem ser contido pelos freios próprios do parlamentarismo, como a moção de censura ou o poder de dissolução do Parlamento pelo presidente, com convocação de novas eleições. Não há como essa gambiarra à brasileira dar certo. Ademais, a República não admite Poderes incontidos.

A bem da verdade, Lula não é o primeiro presidente a ter de se submeter aos humores e à voracidade de parlamentares oportunistas, que sentem o cheiro do sangue que governos fracos jorram na água. Mas poderia ser o último, se assim realmente quisesse. Não parece ser o caso.

O mesmo Lula que prometeu durante a campanha eleitoral não apenas “salvar a democracia” no Brasil, como resgatar o presidencialismo do limbo é o presidente que ora apenas assiste, inerte, ao aumento do protagonismo do Congresso em troca de uma governabilidade extremamente frágil. Muito diferente daquele Lula bravateiro da campanha de 2022, o presidente parece tão acuado que, há poucos dias, sentiu-se compelido a pedir desculpas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pela falta de traquejo de seus emissários para a articulação política com os parlamentares.

Desde o trevoso governo de Dilma Rousseff, a quem pode ser atribuída a concepção desse modelo de empoderamento desmesurado do Congresso, tanto por sua fraqueza política como por sua notória, até anedótica, ojeriza à interlocução com deputados e senadores, o Poder Legislativo vem ocupando o espaço vazio deixado por presidentes que não apresentaram ao País nem um programa de governo inclusivo e responsável, capaz de envolver diferentes segmentos da sociedade em torno de objetivos comuns, nem disposição para governar de fato. A exceção foi o governo de Michel Temer, que tentou – e em boa medida conseguiu – estabelecer um reequilíbrio de forças na Praça dos Três Poderes, ao qual se convencionou chamar de “semipresidencialismo”.

Passa da hora de o País discutir a sério a adoção desse modelo. A estrovenga que ora impera como modelo de governança informal do País não está funcionando, ou ao menos só tem funcionado bem para o Congresso. Para o Brasil, é tão ruim estar à mercê de presidentes fracos como de um Congresso forte, porém sem controle no exercício de seu poder.

Os brasileiros, como é sabido, já rejeitaram o parlamentarismo por mais de uma vez, talvez por depositar na figura do presidente da República todas as suas esperanças, angústias e revoltas. Talvez seja o caso de tentar o modelo “semipresidencialista”. É muito difícil, para não dizer impossível, imaginar o Congresso cedendo um naco que seja do poder que acumulou nos últimos anos. Que ao menos, então, passe a exercê-lo com mais responsabilidade na figura de um primeiro-ministro que pode cair quando errar, sem provocar grandes crises, ou ser reconduzido pelo tempo em que estiver governando o País como deseja a maioria dos brasileiros, por meio de seus representantes no Parlamento.

Há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da adoção do “semipresidencialismo” no Brasil a partir da eleição de 2030, dando chance ao atual presidente de concorrer à reeleição. É hora de desengavetá-la.