O leitura das colunas de José Martins Pinheiro Júnior desperta muitas reflexões sobre o cotidiano da cidade de São Paulo. Um deles, que certamente desagradará os nostálgicos, é a ideia de uma cidade tranquila e com serviços e produtos de qualidade.
Na sua coluna ‘Coisas da Cidade’, de 24 de janeiro de 1931, o colunista ‘P’, como costumava assinar a seção ‘Coisas da Cidade’, analisa a péssima qualidade dos cafés, e das cafeterias espalhadas pela cidade.
Nas casas de café, segundo o autor, apesar do Estado de São Paulo ser, na época, o maior produtor do grão “não se indica um só estabelecimento assim, já não dizemos luxuoso, mas apenas decente e confortavel, que faça a honra á cidade, e onde o viajante estrangeiro ou mesmo o brasileiro possa fruir agradavelmente uma chicara do seu principal producto”.
Estadão - 24 de janeiro de 1931

Leia a íntegra do texto com a grafia da época:
OS CAFÉS
Publicaram os jornaes, ante- hontem, uma curiosa lista de estabelecimentos que venderm café, e cujo producto fol examinado pela Inspectoria do Policiamento da Alimentação: em quasi todos, o cafés vendido ao publico era de má qualidade. Em poucos, pouquissimos, apenas toleravel. E somente um offerecia ao publico producto considerado bom.E’ espantoso que nesta capital do café, quasi todas as torrefacções, das visitadas pelos fiscaes, vendam ao publico uma pessima mercadoria, e justamente quando o café se acha tão barato. Se Isso se dá com as torrefacções, que não succederá com os cafés do centro e dos arrabaldes, que o fornecem em chicaras ao publico?
Já mostrámos, mais de uma vez, a nossa triste situação de terra do café que não pode apresentar ao forasteiro um só café decente, bem installado e bem servido, como se encontram tão numerosos nas capitaes estrangeiras, e sobretudo em Buenos Aires.. Em toda parte, ha cafés excellentes pela installações e não raro pelo producto servido, onde o freguez se serve tranquillamente, num ambiente confortavel e attrahente, podendo mesmo lêr os jornaes da terra e os de fôra sem os apertões, os encontrões incommodos da freguesia.
Entretanto, em Sâo Paulo, cujos agricultores são os maiores productores de café, não se indica um só estabelecimento assim, já não dizemos luxuoso, mas apenas decente e confortavel, que faça a honra á cidade, e onde o viajante estrangeiro ou mesmo o brasileiro possa fruir agradavelmente uma chicara do seu principal producto. Os estabelecimentos do centro, e com maioria de razão os dos bairros, são acanhados, pouco asseiados, em geral mal frequentados, de sorte que pouca gente se anima sentar-se por dois minutos numa cadeira estragada, diante de um vasilhame esbeiçado a tendo ao lado alguns sujeitos a cuspirem continuamente no ladrilho já sujo.
- E o producto? não será tambem de pessima qualidade como o das torrefacções?... - Р.
‘P’: Um cronista da cidade de São Paulo
José Martins Pinheiro Junior, ou ‘P’, como assinava, nasceu em 12 de abril de 1884 em Silveiras (SP). Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1907. Dois anos depois, entrou para o jornal ‘O Estado de São Paulo’ como redator, cargo que exerceu durante 35 anos. No jornal, além de redigir a seção ‘Coisas da Cidade’ ocupou-se da também da coluna “Revista das Revistas”. Também foi um dos fundadores da ‘Revista do Brasil’ (1916) e do Diário da Noite (1926).
Como advogado foi nomeado, em 1931, para o cargo de Curador Fiscal das Massas Falidas da cidade de São Paulo, que ocupou até 1954 quando se aposentou. Pinheiro Junior faleceu em 2 de outubro de 1958. No Acervo Estadão estão registrados 3.311 textos publicados por ele entre os anos 1910 e 1945.