Eram 6h30 da manhã de um sábado quando oito homens com blusão de couro armados de metralhadores bateram na porta da casa de Lula no bairro de Assunção, em São Bernardo do Campo. Idenficaram-se como agentes do Deops (Departamento de Ordem Política e Social), o órgão policial responsável pela repressão política durante a ditadura militar. Estavam ali para cumprir um mandado de prisão expedido pela Justiça Militar contra o então presidente destituído do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema que desde 1 de abril liderava uma greve com forte adesão nas fábricas.
Lula e outros dirigentes sindicais haviam sido depostos de seus cargos dois dias antes quando o governo decretou a ilegalidade do movimento e a intervenção dos sindicatos. Na madrugada daquele 19 de abril, Lula dormia com sua mulher Marisa Letícia. Na casa também estavam seu filho caçula, Sandro, o deputado Geraldo Siqueira e o ex-preso político Frei Beto.
Nervosos, os agentes do Deops pediam pressa e em menos de 10 minutos Lula, que estava tranquilo, se trocou e escovou os dentes. Os homens então o levaram para uma Veraneio Chevrolet abóbora de três bancos e sem chapa. Colocaram Lula, sem algemas, no segundo banco entre dois deles e partiram rumo à sede do Deops no centro de São Paulo. Lá, o encarregado do processo informou que Lula estava enquadrado na Lei de Segurança Nacional, artigo 36, incisos 2, 3 e 4, acusado de incitar a greve.
Dos 32 dias que passaria preso, os sete primeiros foram em regime de incomunicabilidade. Apesar disso, no segundo dia de prisão ele teve um breve visita de Marisa Letícia. O encontro, condicionado à discrição, foi conseguido por intermédio do bispo de Santo André.
A igreja teria um papel importante no apoio ao dirigente sindical enquanto estava incomunicável. Dois dias após as detenções o cardeal de São paulo, dom Paulo Evaristo Arns, pediu a libertação dos sindicalistas num ato litúrgico que reuniu milhares de pessoas em solidariedade aos metalúrgicos na Catedral da Sé. Marisa Letícia compareceu ao evento e foi ovacionada pelos presentes. No mesmo dia, cerca de 1.500 metalúrgicos compareceram à Igreja do Bonfim, em Santo André, onde o bispo diocesano dom Cláudio Hummes declarou o apoio da Igreja aos grevistas.
Nas assembleias dos metalúrgicos, que reuniram milhares de grevistas e apoiadores em Santo André e São Bernardo do Campo, a palavra de ordem seguia sendo“a greve continua”.
A cobertura do Estadão ao longo daqueles dias mostrou os atos religiosos em favor dos metalúrgicos, a mobilização nas assembleias grevistas para angariar fundos para manter a paralisação e trouxe a repercussão negativa dos eventos na imprensa internacional, que passava a questionar o processo de abertura política do País. Em editorial, publicado em 22 de abril, o jornal criticou a prisão de Lula. Com o título “Um erro de graves consequências”, o texto dizia que o ato servia para fazer com que “a abertura marque passo conturbando o ambiente político.”
No quarto dia de prisão, Lula e os outros sindicalistas detidos recebem visita médica e o Deops informa que todos passam bem. Lula presta depoimento por 4 horas e meia.
As esposas e familiares foram recebidos pelo diretor do Deops, delegado Romeu Tuma, mas foram impedidos de ver os presos devido ao regime de incomunicabilidade. O advogado Luiz Eduardo Greenhalgh impetra pedido de habeas corpus para Lula e outros metalúrgicos detidos. No sétimo dia de prisão, quando cessa a incomunibilidade, Lula rebe a visita de Greenhalgh e de Marisa Letícia, com quem passa duas horas.
O cunhado, João de Deus Oliveira, e o deputado Airton Soares, na condição de advogado também vistam Lula. O ativista recebeu dos visitantes jornais e revistas que falam sobre sua prisão. Em declaração aos jornalistas, Marisa afirmou que Lula estava fisicamente bem, vinha sendo bem tratado pelos policiais e que havia reclamado somente da saudade que sentia dos filhos, aos quais enviou beijos e abraços.
Com a proximidade do dia do Trabalho, 1 de maio, os trabalhadores começam a preparar várias manifestações em apoio à greve e a Lula. As autoridades cogitam de proibir as manifestaçãoes, mas diante da enorme repecussão que o movimento conseguira decide não reprimir o protesto. Em decisão conjunta, os governos federal e estadual revogam a interdição do estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, e as manifestaçãoes reúnem milhares de manifestantes.
No dia seguinte, o habeas corpus de Lula e outros cinco metalúrgicos é levado ao plenário do Superior Tribunal Militar. Por unanimidade, 10 votos a 0, a corte indeferiu o pedido.
Num outro ato da justiça militar, é decretada a prisão preventiva de Lula e o juiz-auditor Nélson da Silva Machado Guimarães condiciona a libertação de Lula ao final da greve. O movimento grevista divulga mensagem que Lula teria enviado: “Se quiserem negociar nossa liberdade com o retorno dos companheiros de cabeça baixa para dentro das fábricas, nós vamos mofar aqui dentro da cadeia.”
No 20º dia da prisão, as mulheres dos metalúrgicos em greve saíram à frente de uma passeata em São Bernardo do Campo. Marisa Letícia participou do movimento e comentou a decretação da prisão preventiva: “É por isso que a gente tem de lutar. Esta é a luta de todas as mulheres. Acho que todas estão tão revoltadas quanto eu. Comecei a participar do movimento depois da prisão de meu marido e tenho aprendido muito. Só fico triste porque no dia das mães ele não estará em casa com as crianças.” Sobre o movimento, declarou: “Não são bandidos, assassinos, só querem um pouco de aumento. Não precisava tanta polícia em São Bernardo. Nós queríamos paz. Só paz.”
No dia seguinte, Lula outros nove metalúrgicos presos iniciam greve de fome às 9 horas da manhã reivindicando a retomada das negociações. Ao tomar conhecimento da greve de fome, o delegado-chefe proíbe as visitas dos advogados e dos parentes aos presos. É instalado um plantão permanente no departamento médico da carceragem para monitorar as condições físicas dos grevistas. Dois dias depois, em 23 de abril, Lula e os demais sindicalistas encerram a greve de fome às 19h50 após visita do bispo de Santo André, d. Cláudio Hummes. Nesse mesmo dia é encerrada a greve no ABC.
No 24º dia de prisão, Lula receberia a notícia da morte de sua mãe, Eurídice Ferreira de Melo, a Dona Lindu. É concedida liberdade temporária a Lula para que ele possa ir ao velório da mãe. Às 15h50, ele retornou ao Deops. Sairia novamente da carceragem na manhã seguinte e comparece às 9h45 no Hospital da Beneficiência Portuguesa, em São Caetano, para a missa de corpo presente da mãe, seguindo depois o enterro no cemitério da Vila Paulicéia, em São Bernardo do Campo. Dom Cláudio Hummes realizou o sermão onde lembrou a passagem do evangelho de São Matheus: “felizes os que sofrem perseguições por causa da justiça, porque deles é o reino do céu.” Cerca de duas mil pessoas vão ao cemitério prestar homenagem ao sindicalista com gritos de “Lula, Lula” e “queremos Lula livre”.
Em 14 de maio, outra histórica liderança da esquerda brasileira, Leonel Brizola tenta visitar Lula, mas foi informado que o sindicalista estava em regime de incomunicabilidade. Os dias seguintes passariam sem maiores informações do cotidiano de Lula na prisão.
Em 20 de maio, outros 11 dirigentes sindicais são libertados depois que o juiz auditor Nelson da Silva Machado Guimarães, da 2ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciário Militar reformou, às 18 horas, despacho anterior, revogando as prisões preventivas. Nos meios políticos a informação era que a intervenção do presidente João Figueiredo havia definido a libertação dos indiciados.
Lula chegou à sua casa às 21 horas. Cerca de 150 pessoas o aguardavam. Em declaração aos jornalistas, Lula disse que ainda se considerava “um dirigente sindical de fato” e que se tivesse que ser condenado por causa da luta em favor de melhores condições para os trabalhadores seria “condenado contente”. Também prometeu continuar “a luta pelos trabalhadores”. Quando um repórter perguntou sobre seus planos para o futuro, Lula declarou: “ Não tenho projeto para o futuro. Meu destino está ligado à minha categoria profissional.”
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