Na despedida de Caetano e Gil, surge Sidney Miller

Compositor esquecido aparece em fotos inéditas de galeria comemorativa dos 80 anos de Caetano

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Caetano Veloso com Sidney Miller, de camisa listrada, eSandra Gadelhana sede da gravadora Phonogram no Rio de Janeiro.23/7/1969. Foto: Acervo/Estadão

Sidney Miller (1945 – 1980) é o mistério mais bem guardado da música brasileira. Gravado por Nara Leão e comparado a Chico Buarque, o cantor e compositor teve certa projeção na era dos festivais. Mas sua timidez e o desejo de fornecer canções a outros em detrimento da própria imagem fez com que ele ficasse nas bordas da historiografia da canção popular. Ele teve sucessos como A Estrada e o Violeiro, O Circo (aquela do 'vai vai vai, começar a brincadeira/tem charanga tocando a noite inteira'), Pede Passagem – essas três gravadas por NaraAlô Fevereiro e É Isso Aí (ambas lançadas por Doris Monteiro). Sidney se matou aos 35 anos, às vésperas de gravar o quarto disco em 13 anos, que seria bancado com recursos próprios.

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Foi nas bordas de imagens do Acervo do Estadão que Sidney Miller renasceu no último fim de semana. Na galeria de fotos produzida pela historiadora Liz Batista, da equipe do arquivo do jornal, para celebrar os 80 anos de Caetano Veloso, foram incluídas imagens raras do baiano em julho de 1969, na sede da gravadora Phonogram, no centro do Rio de Janeiro, na mesma semana em que ele e Gilberto Gil saíram do Brasil rumo ao exílio forçado na Europa. Caetano e Gil foram presos em dezembro de 1968 e passaram meses confinados em Salvador, até que a ditadura militar apresentou aos dois uma saída: que deixassem o País. Da capital baiana, eles foram para o Rio aguardar o avião que os levaria ao velho continente.

Em uma das fotos dessa última visita de Caetano à gravadora antes do exílio incluída na galeria, havia uma imagem dele com dois personagens não identificados, uma mulher ao fundo e um homem ao lado de camisa listrada. Ela é Sandra Gadelha, a Drão, esposa de Gilberto Gil à época. Ao lado de Sandra, Sidney Miller, que em 1969 trabalhou para a Phonogram como produtor em três discos: Coisas da Vida, de Nara, Terra à Vista, do Terra Trio, e Pronta pra Consumo, de Cynara.

Sidney Miller entre o quadro de Caetano eCaetano Veloso. 23/7/1969. Foto: Acervo Estadão

Como pesquisador de sua obra, vibrei ao ver aquela imagem tão rara e simbólica. Ao comentar com Edmundo Leite, editor do Acervo Estadão, da importância dessa foto, ele se prontificou a digitalizar os negativos fotográficos originais (preservados!) daquela visita à Phonogram para tentar obter mais detalhes do que de fato ocorreu ali. Se Sandra estava na gravadora, Gilberto Gil também estaria.

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Os negativos - sem autoria creditada nos registros internos do Acervo -  foram escaneados e mostram que sim, Gil também estava na Phonogram. Tratam-se de algumas das últimas imagens dos artistas no Brasil antes de partirem para o exílio. Edmundo também vasculhou o arquivo do Jornal da Tarde, publicação do Grupo Estado ainda não digitalizada, e descobriu que aquela visita rendeu uma notinha no vespertino. O texto mostra um Caetano com receio de falar, talvez pela tensão e sofrimento do exílio indesejado. “Não há nada para dizer. Viemos só ver nossas gravações”, declarou.

O que aquela nota não dizia, e que as fotos do negativo original revelam, é que Sidney Miller estava ali com Caetano e Gil, ouvindo as tais gravações. Em uma imagem, é possível ver Caetano escutando um compacto (disco com uma música de cada lado) em uma vitrola. Sidney está atrás dele, sem que sua face apareça.

Nota sobre Caetano e Gil no Jornal da Tarde de 25/7/1969. Foto: Acervo Estadão

Em outra foto, nunca publicada, Caetano, Sidney e Sandra aparecem de costas, em frente a uma imagem de Caetano na parede. Essas imagens quebram um mito que se perpetuou ao longo dos tempos: que Caetano/Gil e Sidney teriam rompido a amizade iniciada por volta de 1966, no Teatro Jovem, após o disco Tropicália. Isto porque Sidney lançou ao mesmo tempo o seu próprio álbum-manifesto: Brasil, do Guarani ao Guaraná, com participações de Nara, MPB-4, Jards Macalé, Gal Costa, Paulinho da Viola, entre outros.

O LP entrou para a posteridade como uma espécie de oposição ao disco Tropicália, utilizando Mário de Andrade como referencial teórico – textos dele foram colocados na contracapa. Ao longo dos anos, muitos pesquisadores passaram a acreditar que Sidney estava agregando uma turma e chamando Caetano, Gil e cia. para a briga. Isso não é verdade: os dois discos saíram no mesmíssimo suplemento da Phonogram, em agosto de 1968 – Tropicália gravado em São Paulo, Do Guarani ao Guaraná no Rio.

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Titular da coluna Roda Viva no jornal Última Hora, Nelson Motta era amigo de Sidney e acompanhou a concepção do disco. No jornal, afirmou que Sidney não pretendia melindrar ninguém, nem mesmo criar um movimento, mas aquela era sua concepção de para onde a música brasileira deveria ir, propondo uma discussão saudável. Em conversas que teve com Caetano e Gil há alguns anos, o autor deste texto confirmou que jamais houve qualquer problema entre eles. O fim do ano de 1968 foi muito tenso politicamente e, com Sidney no Rio e os baianos em São Paulo, os encontros ficaram raros.

E ali, naquele ambiente da gravadora, prestes a saírem do País sem perspectiva de volta, o único artista que aparece ao lado deles é Sidney Miller. Seria exercício de achismo saber o que de fato ele estava fazendo na Phonogram: se foi de fato ver os colegas que iriam embora sem perspectiva de volta, se foi trabalhar como produtor ou se passou ali casualmente. Seja como for, foi provavelmente a última vez que Sidney viu Caetano e Gil antes de os baianos irem para a Europa. E, com certeza, prestou solidariedade aos colegas.

Um encontro bonito e significativo de artistas que fizeram a diferença. Dois deles o Brasil celebrou e aplaudiu merecidamente em 2022, por conta de seus 80 anos. Em 2020, quando se completaram 40 anos da morte de Sidney, só houve o silêncio. Falta o País celebrá-lo e aplaudi-lo. E tirá-lo das bordas.

[* Renato Vieira, jornalista, é editor-assistente do E-Investidor, pesquisador musical, escritor, autor do livro Tempo Feliz - A História da Gravadora Forma e do podcast O produtor da Tropicália]

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