PUBLICIDADE

Paul Gorman narra a ascensão e queda da imprensa musical em novo livro

Autor fala do protagonismo de uma geração de críticos e conta como a imprensa teve forte relevância na propagação de novos cantores e bandas

Por Eduardo Ribeiro
Atualização:

Totally Wired: The Rise and Fall of the Music Press (Thames & Hudson; 440 páginas) é o mais novo livro de Paul Gorman, célebre jornalista irlandês que vive e trabalha em Londres, sobre a imprensa musical no século 20. Levando-se em conta que a era de ouro das revistas de música foi dos anos 1950 aos 2000, período que o livro aborda e compreende uma sucessão de novos gêneros rítmicos (terminando com a mistura de tudo, na onda dos mashups e remixes que marcaram a entrada no século 21), logo de primeira a mensagem estampada na capa sugere uma espirituosa ousadia reservada às páginas internas.

De fato, Totally Wired assumiu uma grande responsabilidade. Mas a notícia boa é que o autor consegue, ao longo de narrativa generosamente referenciada com imagens, alcançar a meta. Somos apresentados aos bastidores de veículos que não só registraram a evolução do rock’n’roll ao mod, passando pela psicodelia, o glam, o punk, o reggae, a dance music, o R&B e o hip hop, mas que ajudaram a fazer tudo isso acontecer. Gorman dá atenção especial a periódicos surgidos nas cidades de Nova York e Los Angeles, nos Estados Unidos, e em Londres, na Inglaterra. O recorte se concentra em influentes revistas e tablóides como Rolling Stone, Creem, NME, Melody Maker, Sounds, Q, The Face, Mojo e Blender, entre outras. E ainda abre espaço para incluir fanzines como Sniffin’ Glue, Temporary Hoarding, Ben Is Dead e Girlfrenzy – estes dois últimos, expoentes do movimento punk feminista riot grrrl.

O filme 'Quase Famosos' mostra a rotina de um garoto que vira repórter da revista Rolling Stone, no auge da revista especializada em música Foto: Neal Preston

PUBLICIDADE

Gorman já vem documentando o segmento sob diferentes prismas há pouco mais de duas décadas. Em 2001, seu In Their Own Write: Adventures In The Music Press (Sanctuary Publishing), em formato de depoimentos compilados, já tentava dimensionar a contribuição dos talentos que, com suas críticas e reportagens, fomentaram e destruíram tendências culturais. Depois disso, ele ainda mergulharia nas histórias da The Face, em The Magazine that Changed Culture (Thames & Hudson, 2017) e do gênio do design gráfico Barney Bubbles, criador da icônica logomarca da NME, em The Wild World of Barney Bubbles (Thames & Hudson).

A pesquisa começa em momento bem anterior à invenção do próprio rock, lá em 1926, com a distribuição do primeiro número da Melody Maker, reproduzido no prólogo de Totally Wired. A matéria principal esmiúça um dos temas mais hype de então: o papel do banjo na orquestra de dança moderna. O acesso que ele teve a figuras como Jann Wenner, Gloria Stavers, Chrissie Hynde, Caroline Coon e Nick Logan deram origem a um consistente resgate. Todas as suas conexões partem de entrevistas em primeira mão para discutir os papéis desempenhados por escribas como Lester Bangs, Charles Shaar Murray, Nelson George e Nick Kent no desenvolvimento das carreiras de David Bowie, The Clash, Led Zeppelin, Bob Marley e Madonna.

Ocupado com os preparativos para o lançamento oficial de Totally Wired, em 22 de novembro, Paul Gorman reservou um tempo na agenda para conceder a entrevista a seguir ao Estadão. Acompanhe.

Relevante, antenada e ousada, a 'Rolling Stone' marcou gerações de leitores e promoveu estrelas do rock, pop, entre outros estilos musicais; essa importância se vê no filme 'Quase Famosos', hoje um cult Foto: Neal Preston

Uma coisa que me chamou a atenção quando vi o nome do seu livro foi a menção ao título da obra de Simon Reynolds sobre o pós-punk. Você escolheu esse nome intencionalmente por causa disso?

Não. Eu não conhecia o livro de Reynolds até que a escolha fosse tomada, embora ele apareça no meu livro. A ideia era transmitir a energia caótica da imprensa musical no seu melhor.

Publicidade

Por muito tempo, a experiência de apreciar a música não estava associada apenas ao ato de apreciar o som em si, mas à cultura da banca de jornal, na qual críticos de rock e colunistas, por exemplo, muitas vezes eram tão influentes quanto os artistas sobre os quais escreviam. Esse tipo de “autoridade” jornalística ainda se aplica na cobertura musical de hoje?

Eu acho que não. Os escritores de música não exercem mais o poder porque as revistas de música não vendem mais em grande escala. Escrever sobre música está automatizado agora e aparece em tudo, desde o noticiário nacional até veículos de pequena circulação, blogs e postagens em redes sociais. Quando a Rolling Stone, Vibe e Smash Hits podiam reivindicar leitores na casa das centenas de milhares, suas opiniões sobre artistas e músicas em particular tinham mais influência, mas há muito tempo que escrever sobre música é uma atividade de nicho.

Na sua opinião, quais foram e quais são atualmente os veículos e jornalistas musicais mais importantes para a construção da história e fundação da cultura pop/rock?

Há tantos que tiveram impacto na cultura pop mais ampla: Gloria Stavers na revista 16, Jann Wenner e Jon Landau na Rolling Stone e Richard Goldstein e Ellen Willis na The New Yorker nos anos 60 e 70; Nick Kent, Danny Baker, Paul Morley e Ian Penman na NME e Richard Williams, Val Wilmer, Vivienne Goldman, Jane Suck e Jon Savage na Sounds e Melody Maker nos anos 70; Nick Logan, Julie Burchill, Tony Parsons, Sheryl Garratt, Amy Raphael e Ekow Eshun na The Face nos anos 80 e 90; Caitlin Moran, Miranda Sawyer, Alexis Petridis, Barbara Ellen, Kitty Empire, Sylvia Paterson e Sian Pattenden na Mixmag, Select, Smash Hits, Melody Maker, The Times e The Observer nos anos 90 e 00. Atualmente, aprecio a escrita musical de nomes como Jude Rogers (The Guardian), Ian Penman (London Review of Books), Kate Mossman (New Statesman), Laura Barton (The Guardian) e Elizabeth Nelson (Oxford American), entre outros.

A Rolling Stone realizou entrevistas históricas, com cantores como Rod Stewart, Madonna, entre outros nomes Foto: Larousse

PUBLICIDADE

Quando você aponta para a ascensão e queda da imprensa musical, isso significa que os dias de glória da imprensa musical acabaram?

No final dos anos 90 com a massificação digital; isso aconteceu com as publicações impressas e, portanto, a publicidade, as circulações e as vendas despencaram e os pontos de venda fecharam à medida que os leitores gravitavam para a mídia online gratuita.

Você acha que alguns autores, como Lester Bangs, que fizeram história justamente por sua forma de escrever livre das regras previstas em manuais de redação e conceitos fechados de estrutura textual, demandados hoje principalmente pela necessidade de conquistar o público através de técnicas de SEO, teriam seu espaço na mídia atual?

Publicidade

Claro que haveria um espaço para eles em algum lugar, mas a maioria desses escritores como Bangs fez um mérito de ser opinativo, verborrágico e desleixado, que não conseguiu emular a elegância do Novo Jornalismo de Tom Wolfe e ficou datado quase ao chegar às máquinas de impressão. Esse estilo combinava com os tempos, principalmente nos EUA machistas, até certo ponto, mas há um mercado limitado para isso hoje em dia.

Pode nos contar um pouco sobre sua relação pessoal, o seu apreço pelas revistas de música? Você era do tipo, quando jovem, que ficava fascinado por ir à banca de jornal e se perder no apelo visual que as publicações ofereciam? Quem foram seus jornalistas musicais favoritos que poderiam ter influenciado você profissionalmente mais tarde?

Eu fui muito influenciado por meus cinco irmãos mais velhos, que estavam todos interessados em livros, moda e música, então por meio deles conheci as edições de Nova e Petticoat, das minhas irmãs, e Rolling Stone, Oz e Interview, dos meus irmãos. Quando eu tinha 12 anos me deparei com a NME, já que ela apresentava os artistas que eu acompanhava, particularmente Alice Cooper, David Bowie, os Rolling Stones e Rod Stewart/The Faces; isso foi em 1972, quando sofreu mudanças pelo editor Alan Smith e seu sub Nick Logan, e escritores como Charles Shaar Murray tornaram-se parte da experiência de desfrutar e aprender sobre música. Um ponto de virada foi comprar um exemplar de Frendz naquele ano em uma das bancas de jornais locais no norte de Londres. Um menino mais velho que morava na nossa rua, já tinha me dado alguns exemplares da Oz, mas Frendz tinha ótimos artigos de Nick Kent e fotografia e layouts de Pennie Smith e Joe Stevens. Todos eles estavam prestes a se juntar à NME. Frendz virou minha jovem cabeça.

A imprensa tem o papel de documentar novas ritmos e figuras do universo da música, bem como avaliar shows, apresentações e festivais Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Assim como existe um mercado que muda, mas nunca se extingue, focado em livros de arte e discos de vinil ou mesmo música lo-fi, comercializada em fitas cassete ainda hoje, o nicho das revistas de cultura impressas tem um público fiel e interessado, principalmente entre as novas gerações?

Sim, há um paralelo com o vinil, eu acho; certos jovens agora vêem o valor e a permanência da impressão e são cada vez mais leais a ela, mas já se foram os dias em que, no Reino Unido, por exemplo, 150.000 deles compravam uma cópia da NME toda semana.

O ambiente das redações de algumas revistas de música lendárias também reflete uma série de condições sociais em cada época. Como você mostra em seu livro, a atmosfera nunca foi inteiramente confortável para as mulheres, por exemplo. Quais foram os maiores desafios enfrentados nesse sentido, como está essa questão hoje e quais são alguns dos grandes abafados pelo preconceito dignos de atenção?

Muitas pessoas e publicações não têm o reconhecimento que merecem sempre que a “imprensa musical” é considerada. Inevitavelmente, essas eram comunidades marginalizadas, mulheres, pessoas negras e comunidades LGBTQ+. Eu queria mostrar como, digamos, Gloria Stavers, Ellen Willis, Lilian Roxon, Penny Valentine, Caroline Coon e Val Wilmer escreveriam e editariam os meios de seus colegas, homens fanfarrões, que monopolizaram os holofotes. A Black Music, lançada mensalmente em 1973, é outro exemplo. Junto com poucos outros, Carl Gayle era uma negro proeminente para escrever sobre música de origem negra e seu jornalismo sobre soul e reggae deveria ser leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada nesses gêneros. No entanto, ele foi amplamente ignorado.

Publicidade

O ano que vem completa 40 anos desde que perdemos Barney Bubbles, que afinal foi o responsável pelo icônico logotipo da NME, entre outras grandes realizações. Gostaria que você falasse um pouco sobre a importância de sua contribuição para a música, a estética que ele trouxe para nosso imaginário pop e seu livro sobre ele.

Barney Bubbles foi um dos melhores designers gráficos de sua época, mas seu suicídio em 1983, quando uma nova geração de designers estava em ascensão – pense em Peter Saville e Neville Brody – serviu para obscurecer suas produções para artistas de Hawkwind a Elvis Costello. Ele foi um dos únicos designers a se envolver com grupos do final dos anos 60 até a era pós-punk, criando capas, pôsteres, publicidade e coisas efêmeras para Billy Bragg, The Damned, Depeche Mode, Generation X, Psychedelic Furs, Nick Lowe, Stiff Records, Peter Hammill, Dr Feelgood, Kevin Coyne... e assim por diante. Ele dirigiu vídeos (incluindo “Ghost Town”, do The Specials), dirigiu a arte das revistas Oz e Frendz, redesenhou a NME (seu logotipo é usado até hoje), fez móveis, pinturas abstratas, cenários e filmes.

SERVIÇO

Totally Wired: The Rise and Fall of the Music Press

Thames & Hudson

440 páginas

$34.95

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.