Mulheres da periferia aprendem fundamentos da arquitetura em projeto de Belo Horizonte


Grupo oferece curso teórico e prático a mulheres em situação de vulnerabilidade, que aprendem a, por exemplo, a assentar um piso, erguer uma parede e fazer cálculos

Por Aline Reskalla

Mulher preta e pobre, Cheyenne Pereira Miguel, de 34 anos, viveu na pele o que pesquisadores classificam como “despejo relacionado à violência doméstica”. Em 2016, separou-se do marido para dar um basta às agressões. Sem dinheiro e com filho pequeno, não tinha onde morar. Acabou sendo acolhida em um movimento de ocupação na região do Barreiro, em Belo Horizonte, onde recebeu um lote.

Cheyenne não sabia mexer com obra, e o dinheiro era insuficiente, mas precisava de um teto. Assim, fez ela mesma um cômodo de madeirite. Posteriormente conseguiu contratar um pedreiro para ajudá-la a erguer dois cômodos de cimento.

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A pequena casa foi construída precariamente, mas, para Cheyenne, já era um palácio. “Quando eu consegui levantar dois cômodos, mesmo sem acabamento certinho, eu já me vi morando num palácio, porque era um teto que me cobria da chuva e do frio”, lembra. No entanto, ainda precisava de melhorias básicas.

Assentar um piso, erguer uma parede, fazer cálculos e até mesmo desenhar uma planta são algumas das atividades ensinadas às mulheres no projeto.  Foto: Arquitetas na Periferia/Divulgação
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Ela ficou sabendo, então, de um grupo de mulheres liderado pela arquiteta mineira Carina Guedes que ensinava gratuitamente mulheres em condição de vulnerabilidade a fazer pequenas obras para melhorar ou mesmo construir suas moradias. “Fiquei doida querendo entrar, mas tive que esperar finalizar o ano para abrir uma nova turma. Eu queria muito resolver alguns problemas que eu estava passando naquela casa, sem estrutura, dois cômodos levantados no seco, sem nada.”

As mulheres que entram no programa fazem um curso teórico e prático que dura sete meses, no qual aprendem a executar tarefas historicamente atribuídas a homens, como assentar um piso, erguer uma parede, fazer cálculos e até mesmo desenhar uma planta.

Uma equipe formada por arquiteta, mestre de obras, assistente social e psicóloga acompanha as participantes em todas as etapas das oficinas, que costumam ocorrer em grupo de cinco moradoras.

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“Na minha casa, como eu moro num terreno inclinado, precisei mexer na estrutura, na parte de alicerce. Amarrei muita ferragem, cavei buraco, virei bastante massa para levantar as colunas, quebrar as paredes que tinha, enfim, foi muito serviço aqui. Também assentei o piso”, lembra Cheyenne, que se apaixonou pela causa e, hoje, integra o projeto atuando como elo nas comunidades.

Projeto Arquitetas na Periferia, em Minas Gerais, ensina mulheres a realizar tarefas de construção civil que costumam ser realizadas por homens. Créditos: Lucas Monteiro Foto: Lucas Monteiro

“É um trabalho maravilhoso e fico muito feliz de ter sido contemplada. A sensação é de alcançar um lugar que eu não imaginava, de ser uma referência para essas famílias, algo muito grandioso”, diz.

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A fundadora do Arquitetas na Periferia, Carina Guedes, disse ao Estadão que o projeto já beneficiou mais de cem mulheres em comunidades carentes de BH e de outras cidades, como São Paulo. “Elas recebem conhecimento e suporte técnico para que, com as próprias mãos e as novas habilidades adquiridas, possam mudar suas vidas e de suas famílias”, diz Carina.

Ela conta que o grupo nasceu despretensiosamente, há exatos 10 anos, diante do seu incômodo com a falta de acesso à moradia digna no país e com a elitização da arquitetura. Carina mergulhou no tema em sua tese de mestrado, na UFMG, e realizou um experimento ensinando conceitos básicos da arquitetura para três mulheres que viviam na periferia de BH, o que acabou se tornando uma espécie de piloto desse grande projeto. “Muitas mulheres foram chegando, e aí a gente nunca mais parou”, lembra.

Os pilares do Arquitetas na Periferia são o protagonismo feminino e a busca pela equidade de gênero. Isso porque, apesar de gastarem o dobro de tempo na manutenção de seus lares e se desdobrarem em jornadas triplas – que compreende trabalhar fora, cuidar da casa e dos filhos –, as mulheres, muitas vezes, não têm poder de decisão na hora de reformar ou coordenar uma obra em sua própria casa.

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A fundadora do Arquitetas na Periferia, Carina Guedes, afirma que o projeto já beneficiou mais de cem mulheres em comunidades carentes de BH e de outras cidades, como São Paulo. Foto: Arquitetas na Periferia/Divulgação

“Entender como são esses mecanismos de exclusão da nossa sociedade, como a falta de acesso ao conhecimento aumenta a desigualdade social, foi uma virada de chave na minha vida”, afirma Carina.

A arquiteta se dedica em tempo integral à organização, que não tem fins lucrativos e vive de doações. “As pessoas foram chegando como voluntárias. Em 2018, a gente passou a ter uma equipe fixa. O projeto funciona graças a doações e parcerias com empresas”, relata Carina.

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Violência de gênero altera dinâmica das moradias

Assim como Cheyenne, muitas mulheres que vivem nas periferias acabam saindo de casa para escapar da violência, mesmo que provisoriamente, recorrendo a familiares ou amigos e mesmo se endividando para pagar aluguel.

A essas situações, a pesquisadora Glaucia Marcondes, demógrafa e antropóloga, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (NEPO/Unicamp), deu o nome de “despejo relacionado à violência doméstica”.

Segundo ela disse ao jornal da USP, por causa desse fenômeno diretamente ligado ao machismo estrutural e à desigualdade social, um dos perfis de família que mais cresce é a “monoparental com filhos”, um grupo formado, majoritariamente, por mães solo (mulheres com filhos). Como consequência, aumenta o déficit habitacional entre elas: 60% das pessoas que necessitam de moradia digna no Brasil são mulheres. São 3,5 milhões de mulheres que não possuem estrutura básica de moradia, segundo a Fundação João Pinheiro.

Mulher preta e pobre, Cheyenne Pereira Miguel, de 34 anos, viveu na pele o que pesquisadores classificam como “despejo relacionado à violência doméstica”. Em 2016, separou-se do marido para dar um basta às agressões. Sem dinheiro e com filho pequeno, não tinha onde morar. Acabou sendo acolhida em um movimento de ocupação na região do Barreiro, em Belo Horizonte, onde recebeu um lote.

Cheyenne não sabia mexer com obra, e o dinheiro era insuficiente, mas precisava de um teto. Assim, fez ela mesma um cômodo de madeirite. Posteriormente conseguiu contratar um pedreiro para ajudá-la a erguer dois cômodos de cimento.

A pequena casa foi construída precariamente, mas, para Cheyenne, já era um palácio. “Quando eu consegui levantar dois cômodos, mesmo sem acabamento certinho, eu já me vi morando num palácio, porque era um teto que me cobria da chuva e do frio”, lembra. No entanto, ainda precisava de melhorias básicas.

Assentar um piso, erguer uma parede, fazer cálculos e até mesmo desenhar uma planta são algumas das atividades ensinadas às mulheres no projeto.  Foto: Arquitetas na Periferia/Divulgação

Ela ficou sabendo, então, de um grupo de mulheres liderado pela arquiteta mineira Carina Guedes que ensinava gratuitamente mulheres em condição de vulnerabilidade a fazer pequenas obras para melhorar ou mesmo construir suas moradias. “Fiquei doida querendo entrar, mas tive que esperar finalizar o ano para abrir uma nova turma. Eu queria muito resolver alguns problemas que eu estava passando naquela casa, sem estrutura, dois cômodos levantados no seco, sem nada.”

As mulheres que entram no programa fazem um curso teórico e prático que dura sete meses, no qual aprendem a executar tarefas historicamente atribuídas a homens, como assentar um piso, erguer uma parede, fazer cálculos e até mesmo desenhar uma planta.

Uma equipe formada por arquiteta, mestre de obras, assistente social e psicóloga acompanha as participantes em todas as etapas das oficinas, que costumam ocorrer em grupo de cinco moradoras.

“Na minha casa, como eu moro num terreno inclinado, precisei mexer na estrutura, na parte de alicerce. Amarrei muita ferragem, cavei buraco, virei bastante massa para levantar as colunas, quebrar as paredes que tinha, enfim, foi muito serviço aqui. Também assentei o piso”, lembra Cheyenne, que se apaixonou pela causa e, hoje, integra o projeto atuando como elo nas comunidades.

Projeto Arquitetas na Periferia, em Minas Gerais, ensina mulheres a realizar tarefas de construção civil que costumam ser realizadas por homens. Créditos: Lucas Monteiro Foto: Lucas Monteiro

“É um trabalho maravilhoso e fico muito feliz de ter sido contemplada. A sensação é de alcançar um lugar que eu não imaginava, de ser uma referência para essas famílias, algo muito grandioso”, diz.

A fundadora do Arquitetas na Periferia, Carina Guedes, disse ao Estadão que o projeto já beneficiou mais de cem mulheres em comunidades carentes de BH e de outras cidades, como São Paulo. “Elas recebem conhecimento e suporte técnico para que, com as próprias mãos e as novas habilidades adquiridas, possam mudar suas vidas e de suas famílias”, diz Carina.

Ela conta que o grupo nasceu despretensiosamente, há exatos 10 anos, diante do seu incômodo com a falta de acesso à moradia digna no país e com a elitização da arquitetura. Carina mergulhou no tema em sua tese de mestrado, na UFMG, e realizou um experimento ensinando conceitos básicos da arquitetura para três mulheres que viviam na periferia de BH, o que acabou se tornando uma espécie de piloto desse grande projeto. “Muitas mulheres foram chegando, e aí a gente nunca mais parou”, lembra.

Os pilares do Arquitetas na Periferia são o protagonismo feminino e a busca pela equidade de gênero. Isso porque, apesar de gastarem o dobro de tempo na manutenção de seus lares e se desdobrarem em jornadas triplas – que compreende trabalhar fora, cuidar da casa e dos filhos –, as mulheres, muitas vezes, não têm poder de decisão na hora de reformar ou coordenar uma obra em sua própria casa.

A fundadora do Arquitetas na Periferia, Carina Guedes, afirma que o projeto já beneficiou mais de cem mulheres em comunidades carentes de BH e de outras cidades, como São Paulo. Foto: Arquitetas na Periferia/Divulgação

“Entender como são esses mecanismos de exclusão da nossa sociedade, como a falta de acesso ao conhecimento aumenta a desigualdade social, foi uma virada de chave na minha vida”, afirma Carina.

A arquiteta se dedica em tempo integral à organização, que não tem fins lucrativos e vive de doações. “As pessoas foram chegando como voluntárias. Em 2018, a gente passou a ter uma equipe fixa. O projeto funciona graças a doações e parcerias com empresas”, relata Carina.

Violência de gênero altera dinâmica das moradias

Assim como Cheyenne, muitas mulheres que vivem nas periferias acabam saindo de casa para escapar da violência, mesmo que provisoriamente, recorrendo a familiares ou amigos e mesmo se endividando para pagar aluguel.

A essas situações, a pesquisadora Glaucia Marcondes, demógrafa e antropóloga, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (NEPO/Unicamp), deu o nome de “despejo relacionado à violência doméstica”.

Segundo ela disse ao jornal da USP, por causa desse fenômeno diretamente ligado ao machismo estrutural e à desigualdade social, um dos perfis de família que mais cresce é a “monoparental com filhos”, um grupo formado, majoritariamente, por mães solo (mulheres com filhos). Como consequência, aumenta o déficit habitacional entre elas: 60% das pessoas que necessitam de moradia digna no Brasil são mulheres. São 3,5 milhões de mulheres que não possuem estrutura básica de moradia, segundo a Fundação João Pinheiro.

Mulher preta e pobre, Cheyenne Pereira Miguel, de 34 anos, viveu na pele o que pesquisadores classificam como “despejo relacionado à violência doméstica”. Em 2016, separou-se do marido para dar um basta às agressões. Sem dinheiro e com filho pequeno, não tinha onde morar. Acabou sendo acolhida em um movimento de ocupação na região do Barreiro, em Belo Horizonte, onde recebeu um lote.

Cheyenne não sabia mexer com obra, e o dinheiro era insuficiente, mas precisava de um teto. Assim, fez ela mesma um cômodo de madeirite. Posteriormente conseguiu contratar um pedreiro para ajudá-la a erguer dois cômodos de cimento.

A pequena casa foi construída precariamente, mas, para Cheyenne, já era um palácio. “Quando eu consegui levantar dois cômodos, mesmo sem acabamento certinho, eu já me vi morando num palácio, porque era um teto que me cobria da chuva e do frio”, lembra. No entanto, ainda precisava de melhorias básicas.

Assentar um piso, erguer uma parede, fazer cálculos e até mesmo desenhar uma planta são algumas das atividades ensinadas às mulheres no projeto.  Foto: Arquitetas na Periferia/Divulgação

Ela ficou sabendo, então, de um grupo de mulheres liderado pela arquiteta mineira Carina Guedes que ensinava gratuitamente mulheres em condição de vulnerabilidade a fazer pequenas obras para melhorar ou mesmo construir suas moradias. “Fiquei doida querendo entrar, mas tive que esperar finalizar o ano para abrir uma nova turma. Eu queria muito resolver alguns problemas que eu estava passando naquela casa, sem estrutura, dois cômodos levantados no seco, sem nada.”

As mulheres que entram no programa fazem um curso teórico e prático que dura sete meses, no qual aprendem a executar tarefas historicamente atribuídas a homens, como assentar um piso, erguer uma parede, fazer cálculos e até mesmo desenhar uma planta.

Uma equipe formada por arquiteta, mestre de obras, assistente social e psicóloga acompanha as participantes em todas as etapas das oficinas, que costumam ocorrer em grupo de cinco moradoras.

“Na minha casa, como eu moro num terreno inclinado, precisei mexer na estrutura, na parte de alicerce. Amarrei muita ferragem, cavei buraco, virei bastante massa para levantar as colunas, quebrar as paredes que tinha, enfim, foi muito serviço aqui. Também assentei o piso”, lembra Cheyenne, que se apaixonou pela causa e, hoje, integra o projeto atuando como elo nas comunidades.

Projeto Arquitetas na Periferia, em Minas Gerais, ensina mulheres a realizar tarefas de construção civil que costumam ser realizadas por homens. Créditos: Lucas Monteiro Foto: Lucas Monteiro

“É um trabalho maravilhoso e fico muito feliz de ter sido contemplada. A sensação é de alcançar um lugar que eu não imaginava, de ser uma referência para essas famílias, algo muito grandioso”, diz.

A fundadora do Arquitetas na Periferia, Carina Guedes, disse ao Estadão que o projeto já beneficiou mais de cem mulheres em comunidades carentes de BH e de outras cidades, como São Paulo. “Elas recebem conhecimento e suporte técnico para que, com as próprias mãos e as novas habilidades adquiridas, possam mudar suas vidas e de suas famílias”, diz Carina.

Ela conta que o grupo nasceu despretensiosamente, há exatos 10 anos, diante do seu incômodo com a falta de acesso à moradia digna no país e com a elitização da arquitetura. Carina mergulhou no tema em sua tese de mestrado, na UFMG, e realizou um experimento ensinando conceitos básicos da arquitetura para três mulheres que viviam na periferia de BH, o que acabou se tornando uma espécie de piloto desse grande projeto. “Muitas mulheres foram chegando, e aí a gente nunca mais parou”, lembra.

Os pilares do Arquitetas na Periferia são o protagonismo feminino e a busca pela equidade de gênero. Isso porque, apesar de gastarem o dobro de tempo na manutenção de seus lares e se desdobrarem em jornadas triplas – que compreende trabalhar fora, cuidar da casa e dos filhos –, as mulheres, muitas vezes, não têm poder de decisão na hora de reformar ou coordenar uma obra em sua própria casa.

A fundadora do Arquitetas na Periferia, Carina Guedes, afirma que o projeto já beneficiou mais de cem mulheres em comunidades carentes de BH e de outras cidades, como São Paulo. Foto: Arquitetas na Periferia/Divulgação

“Entender como são esses mecanismos de exclusão da nossa sociedade, como a falta de acesso ao conhecimento aumenta a desigualdade social, foi uma virada de chave na minha vida”, afirma Carina.

A arquiteta se dedica em tempo integral à organização, que não tem fins lucrativos e vive de doações. “As pessoas foram chegando como voluntárias. Em 2018, a gente passou a ter uma equipe fixa. O projeto funciona graças a doações e parcerias com empresas”, relata Carina.

Violência de gênero altera dinâmica das moradias

Assim como Cheyenne, muitas mulheres que vivem nas periferias acabam saindo de casa para escapar da violência, mesmo que provisoriamente, recorrendo a familiares ou amigos e mesmo se endividando para pagar aluguel.

A essas situações, a pesquisadora Glaucia Marcondes, demógrafa e antropóloga, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (NEPO/Unicamp), deu o nome de “despejo relacionado à violência doméstica”.

Segundo ela disse ao jornal da USP, por causa desse fenômeno diretamente ligado ao machismo estrutural e à desigualdade social, um dos perfis de família que mais cresce é a “monoparental com filhos”, um grupo formado, majoritariamente, por mães solo (mulheres com filhos). Como consequência, aumenta o déficit habitacional entre elas: 60% das pessoas que necessitam de moradia digna no Brasil são mulheres. São 3,5 milhões de mulheres que não possuem estrutura básica de moradia, segundo a Fundação João Pinheiro.

Mulher preta e pobre, Cheyenne Pereira Miguel, de 34 anos, viveu na pele o que pesquisadores classificam como “despejo relacionado à violência doméstica”. Em 2016, separou-se do marido para dar um basta às agressões. Sem dinheiro e com filho pequeno, não tinha onde morar. Acabou sendo acolhida em um movimento de ocupação na região do Barreiro, em Belo Horizonte, onde recebeu um lote.

Cheyenne não sabia mexer com obra, e o dinheiro era insuficiente, mas precisava de um teto. Assim, fez ela mesma um cômodo de madeirite. Posteriormente conseguiu contratar um pedreiro para ajudá-la a erguer dois cômodos de cimento.

A pequena casa foi construída precariamente, mas, para Cheyenne, já era um palácio. “Quando eu consegui levantar dois cômodos, mesmo sem acabamento certinho, eu já me vi morando num palácio, porque era um teto que me cobria da chuva e do frio”, lembra. No entanto, ainda precisava de melhorias básicas.

Assentar um piso, erguer uma parede, fazer cálculos e até mesmo desenhar uma planta são algumas das atividades ensinadas às mulheres no projeto.  Foto: Arquitetas na Periferia/Divulgação

Ela ficou sabendo, então, de um grupo de mulheres liderado pela arquiteta mineira Carina Guedes que ensinava gratuitamente mulheres em condição de vulnerabilidade a fazer pequenas obras para melhorar ou mesmo construir suas moradias. “Fiquei doida querendo entrar, mas tive que esperar finalizar o ano para abrir uma nova turma. Eu queria muito resolver alguns problemas que eu estava passando naquela casa, sem estrutura, dois cômodos levantados no seco, sem nada.”

As mulheres que entram no programa fazem um curso teórico e prático que dura sete meses, no qual aprendem a executar tarefas historicamente atribuídas a homens, como assentar um piso, erguer uma parede, fazer cálculos e até mesmo desenhar uma planta.

Uma equipe formada por arquiteta, mestre de obras, assistente social e psicóloga acompanha as participantes em todas as etapas das oficinas, que costumam ocorrer em grupo de cinco moradoras.

“Na minha casa, como eu moro num terreno inclinado, precisei mexer na estrutura, na parte de alicerce. Amarrei muita ferragem, cavei buraco, virei bastante massa para levantar as colunas, quebrar as paredes que tinha, enfim, foi muito serviço aqui. Também assentei o piso”, lembra Cheyenne, que se apaixonou pela causa e, hoje, integra o projeto atuando como elo nas comunidades.

Projeto Arquitetas na Periferia, em Minas Gerais, ensina mulheres a realizar tarefas de construção civil que costumam ser realizadas por homens. Créditos: Lucas Monteiro Foto: Lucas Monteiro

“É um trabalho maravilhoso e fico muito feliz de ter sido contemplada. A sensação é de alcançar um lugar que eu não imaginava, de ser uma referência para essas famílias, algo muito grandioso”, diz.

A fundadora do Arquitetas na Periferia, Carina Guedes, disse ao Estadão que o projeto já beneficiou mais de cem mulheres em comunidades carentes de BH e de outras cidades, como São Paulo. “Elas recebem conhecimento e suporte técnico para que, com as próprias mãos e as novas habilidades adquiridas, possam mudar suas vidas e de suas famílias”, diz Carina.

Ela conta que o grupo nasceu despretensiosamente, há exatos 10 anos, diante do seu incômodo com a falta de acesso à moradia digna no país e com a elitização da arquitetura. Carina mergulhou no tema em sua tese de mestrado, na UFMG, e realizou um experimento ensinando conceitos básicos da arquitetura para três mulheres que viviam na periferia de BH, o que acabou se tornando uma espécie de piloto desse grande projeto. “Muitas mulheres foram chegando, e aí a gente nunca mais parou”, lembra.

Os pilares do Arquitetas na Periferia são o protagonismo feminino e a busca pela equidade de gênero. Isso porque, apesar de gastarem o dobro de tempo na manutenção de seus lares e se desdobrarem em jornadas triplas – que compreende trabalhar fora, cuidar da casa e dos filhos –, as mulheres, muitas vezes, não têm poder de decisão na hora de reformar ou coordenar uma obra em sua própria casa.

A fundadora do Arquitetas na Periferia, Carina Guedes, afirma que o projeto já beneficiou mais de cem mulheres em comunidades carentes de BH e de outras cidades, como São Paulo. Foto: Arquitetas na Periferia/Divulgação

“Entender como são esses mecanismos de exclusão da nossa sociedade, como a falta de acesso ao conhecimento aumenta a desigualdade social, foi uma virada de chave na minha vida”, afirma Carina.

A arquiteta se dedica em tempo integral à organização, que não tem fins lucrativos e vive de doações. “As pessoas foram chegando como voluntárias. Em 2018, a gente passou a ter uma equipe fixa. O projeto funciona graças a doações e parcerias com empresas”, relata Carina.

Violência de gênero altera dinâmica das moradias

Assim como Cheyenne, muitas mulheres que vivem nas periferias acabam saindo de casa para escapar da violência, mesmo que provisoriamente, recorrendo a familiares ou amigos e mesmo se endividando para pagar aluguel.

A essas situações, a pesquisadora Glaucia Marcondes, demógrafa e antropóloga, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (NEPO/Unicamp), deu o nome de “despejo relacionado à violência doméstica”.

Segundo ela disse ao jornal da USP, por causa desse fenômeno diretamente ligado ao machismo estrutural e à desigualdade social, um dos perfis de família que mais cresce é a “monoparental com filhos”, um grupo formado, majoritariamente, por mães solo (mulheres com filhos). Como consequência, aumenta o déficit habitacional entre elas: 60% das pessoas que necessitam de moradia digna no Brasil são mulheres. São 3,5 milhões de mulheres que não possuem estrutura básica de moradia, segundo a Fundação João Pinheiro.

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