Após dois anos de juros altos no Brasil e no mundo, os nomes que mudaram a configuração do mercado bancário brasileiro se viram obrigados a ajustar a rota dos negócios para dar mais ênfase ao lucro e não apenas ao crescimento. O investidor deixou de ter o avanço de clientes como prioridade zero, e marcas como Nubank, C6 e PicPay passaram a operar no azul após ajustar as operações e aumentar a geração de receitas de suas bases, com milhões de clientes.
A tônica daqui em diante continuará a ser a de fazer mais com menos e a de aumentar a participação no mercado de crédito, que deve ser o motor de crescimento das receitas.
Em 2022, seu primeiro ano como companhia aberta, o Nubank teve prejuízo líquido de R$ 1,9 bilhão, mas no ano passado, chegou a um lucro líquido de R$ 5,2 bilhões. No PicPay, a perda de R$ 693 milhões virou lucro de R$ 37 milhões, enquanto o C6 reduziu o prejuízo anual de R$ 2,4 bilhões para R$ 671 milhões. No primeiro trimestre deste ano, o banco, do qual o JPMorgan Chase é sócio, teve lucro de R$ 461 milhões, o primeiro da história para um trimestre.
O cenário de juros mais altos por mais tempo secou as fontes de captação no mercado, e fez com que as fintechs olhassem para dentro. O diagnóstico foi de que era chegada a hora de extrair mais receitas da base de clientes, aumentando a fidelidade das dezenas de milhões de usuários conquistadas nos anos anteriores. Ficou para trás o crescimento a qualquer custo.
A maior fintech do Brasil, o Nubank, acredita que o modelo de rentabilidade pode ser estendido a mais países. “O mundo de serviços financeiros globais vai ser ainda ‘disruptado’ por empresas de tecnologia. E ainda está bem no começo”, afirmou neste mês o fundador e CEO do banco, David Vélez. “Depois de 11 anos de crescimento das fintechs, elas têm menos de 1% do mercado de serviços financeiros no mundo.”
Mesmo após chegar a 100 milhões de clientes, o Nubank acredita que está “no primeiro minuto do primeiro tempo de jogo”, diante das mais de 200 milhões de pessoas sem acesso a bancos na América Latina. O banco quer atrair novos clientes e vender mais produtos e serviços para os atuais, no que tem sido a palavra de ordem no mercado.
“A diversificação do modelo foi crucial para termos mais engajamento da base e aumentar a receita média do cliente”, diz André Cazotto, responsável por Relações com Investidores, Fusões e Aquisições e Estratégia do PicPay. A receita média que a fintech da J&F Participações obtém com cada cliente ativo todo mês praticamente dobrou desde 2022, para R$ 32.
Mudança de cenário
As fintechs brasileiras tiveram de acompanhar uma mudança na direção dos ventos do mercado global. Com a alta da inflação após a pandemia, bancos centrais do Brasil e do mundo tiveram de elevar os juros, o que encerrou uma década de bonança nos investimentos do capital de risco. As fintechs foram fortemente atingidas, em especial as de menor porte.
“A economia do pós-covid está pressionando as instituições de menor porte, o que potencialmente pode levar à consolidação do setor”, afirmou o diretor da agência de classificação de risco Fitch, Claudio Gallina, em análise sobre o setor. Na visão dele, é justamente a situação mais frágil dos bancos digitais de menor porte que os torna potenciais alvos de aquisição.
Entre os grandes que ainda operam no vermelho, a busca é por resultados positivos. Criado em 2016, o Neon tem 30 milhões de clientes e ainda não dá lucro, porque quer manter o crescimento. Mas, segundo o copresidente, Fernando Miranda, a instituição de chegar em breve ao equilíbrio (breakeven).
Por cautela, a fintech opera com um patamar de provisões para devedores duvidosos que pune o crescimento. Ainda assim, tem crescido: no ano passado, o faturamento aumentou 130%. “Temos expectativa de continuar crescendo mais de dois dígitos em 2024 e nos outros anos. Mas o crescimento de 80%, 100% que se verificou até 2023 não tem mais”, disse Miranda. Para ele, diferente da época de juros perto de zero e dinheiro abundante no mercado, agora é preciso ter um “modelo de negócios claro e viável”, e um caminho para a lucratividade.
Armando o leque
Em um ambiente de saturação do mercado, os grandes do setor armaram seu leque com os produtos e serviços mais demandados pelos clientes. No PicPay, isso reduziu a dependência da carteira digital, que foi o primeiro negócio da empresa. De 95% da receita há dois anos, a carteira hoje representa 82%, e no futuro, a fintech quer que metade venha dos demais serviços financeiros.
Para os bancos digitais, o crédito tem papel fundamental na expansão de receitas porque a maioria dessas empresas nasceu sob a bandeira da isenção de tarifas. “O Inter foi criado justamente para matar algumas tarifas, que, para nós, não deveriam ser cobradas dos clientes”, afirma Santiago Stel, vice-presidente Financeiro e de Riscos do banco.
A chave, segundo ele, está em tarifas pagas ao longo da cadeia de negócios. O principal exemplo é o intercâmbio dos cartões, pago pelas maquininhas aos emissores a cada compra. Mas o Inter abriu uma nova avenida para o setor ao criar um shopping virtual no aplicativo, em que ganha uma comissão dos lojistas a cada venda realizada.
O CEO do C6, Marcelo Kalim, disse em abril que as receitas com serviços serão dificilmente a alavanca do banco digital. Focado na alta renda, o C6 quer buscar uma diversificação mais ampla da carteira de crédito, com maior participação de linhas mais rentáveis após um período de concessões focadas em produtos como o consignado, de menor risco.
“Veículos vão ganhar uma proporção maior, pessoas jurídicas também. Ao longo dos anos, começaremos a ter uma carteira mais diversificada, mas ainda bastante garantida”, disse ele. Com foco na alta renda, outra aposta do C6 é na segmentação da base de clientes em diferentes estratos, para dar atendimento mais específico a cada grupo e tornar todos eles mais fiéis.