O ministro Carlos Minc precisa apurar quem manda na burocracia do Meio Ambiente. Ou seja, em sua casa. Dias atrás, ele disse que não "tem nada" a respeito de pressões políticas no relatório do Tribunal de Contas da União sobre o fracasso das licenças ambientais. Mas foram seus próprios funcionários, incluindo diretores, que o TCU ouviu sobre o assunto. E eles contaram aos auditores que se sentem, sim, espremidos pela sombra do PAC em seu trabalho. Se é assim, aparentemente desconfiam de que, no ministério, quem resolve esses problemas mesmo não é Minc.O Programa de Aceleração do Crescimento aparece com todas as letras - e algarismos - no documento, que Minc leu "de trás pra frente", sem ver essas coisas. No relatório TC 009.362/2009-4, seus subordinados comentam que o Ibama passou a ser tratado pelo governo "como uma instituição cuja principal finalidade é a concessão de licenças". Sua eficiência é medida pelo número de licenças expedidas, a exemplo de um trabalho cartorial. Não pelo que conserva da natureza. A fiscalização, em si, virou tarefa secundária.Por quê? "Entre as principais causas apontadas" os entrevistados põem a "concessão de licenças por pressão política, sem o cumprimento das condicionantes exigidas para a sua concessão". Em outras palavras, a ordem é conceder as licenças com urgência e deixar as preocupações ambientais para depois do fato consumado, na hora de licenciar a operação da obra pronta. Feito isso, o rolo compressor do PAC muda de ritmo. Poderá até executar com a natural pachorra das obras públicas suas inadiáveis "estradas, hidrelétricas, hidrovias, gasodutos, portos marítimos, termoelétricas". A pressa ficou para trás. No documento, as pressões políticas têm lugar até num gráfico colorido, vistoso mesmo para quem folheia as 61 páginas da papelada de "trás pra frente". Minc não viu o que não quis ver.É pena, porque os dossiês do TCU têm tradição de boa pontaria quando miram no seu ministério. Dois anos atrás, o relator Marcos Bemquerer acertou em cheio, no processo TC 019.720/2007-3, o "novo modelo de desenvolvimento estabelecido no Plano Amazônia Sustentável". Era muita conversa. E o mínimo de "ações governamentais". O Plano Amazônia Sustentável sofria a "falta de um organismo que exerça a coordenação dos vários programas federais" na região. Os assentamentos da reforma agrária corriam soltos. As terras indígenas, mais ainda. As "medidas de controle do desmatamento" eram pura ficção. Os institutos de pesquisa da Amazônia estavam "desestruturados". O Incra, a Funai, o Ibama, o Instituto Chico Mendes, o Inpa, a Embrapa e a Suframa não se entendiam. Havia cheiro de dinheiro mal gasto no programa. Os assentamentos rurais operavam com valores muito acima dos "custos regionais", até para pagar consultorias. O Incra invadia sem o menor pudor as unidades de conservação. Os processos de regularização dos territórios indígenas estavam eivados de "desperdícios". Na época, a senadora Marina Silva, como seu sucessor Carlos Minc, deve ter visto o relatório "de trás pra frente". Porque só confirmou suas previsões ao se demitir do Ministério do Meio Ambiente. Minc não precisa esperar tanto nem ir tão longe. * É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)
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