: Não importa a dimensão do local onde o espetáculo teatral ocorre, será sempre singular a percepção porque cada indivíduo capta e grava a cena emoldurando-a a partir de sua localização, ouvindo melhor isto do que aquilo, e filtrando as sensações através da trama única da subjetividade. Só nos sonhos dos artistas há recepção perfeita e o espectador ideal é uma utopia, porque em grande parte o encanto do teatro emana dessa apreensão arriscada e imperfeita. Distraídos, não ouvimos uma palavra, absortos em uma frase, mal notamos os gestos ou o rosto de um outro ator em cena, de modo que o trabalho da memória para restaurar significados opera sobre o tempo passado e em uma situação espacial diferente.Pois BR-3 é um espetáculo construído sobre a ideia da instabilidade de todas as coisas: da sociedade, dos credos, dos grandes projetos da nacionalidade e é, portanto, uma exigência de ordem estética a errância das suas personagens e dos lugares ficcionais. Por isso, as cenas flutuam em um barco ou estão dispostas ao longo das margens. Também o público navega, persegue episódios, move-se ao longo de rodovias emulando a travessia continental dos brasileiros pobres. O documentário de Evaldo Mocarzel partilha a linguagem da criação mesclando aos depoimentos sobre o projeto artístico do grupo as pesquisas de campo em três regiões do País, a memória do processo de criação e o registro de cenas do espetáculo. Uma vez que o teatro não pode ser capturado na sua integridade (o olho da câmara é tão singular quando o do espectador), o documentário persegue significados com a mesma inquietação do público. Nesta nova meditação do Tietê diz uma das atrizes: "A primeira coisa que tive de fazer foi descobrir que isto era um rio."