NA PELE
: É mera coincidência - ou golpe de sorte de Evaldo Mocarzel? Seu díptico sobre BR3 - a filmagem da peça e o documentário, que, na verdade, é mais um making of - estreia hoje, apenas alguns dias depois que o transbordamento do Rio Tietê instalou o pandemônio na cidade. Desde 1995, R$ 3 bilhões já foram aplicados na bacia do rio, com o resultado que o paulistano sentiu na pele. O caso não é isolado do assalto na Praça Roosevelt que levou o dramaturgo Mário Bortolotto a ser baleado.
A arte discute políticas públicas, a falta de planejamento, a marginalização social. O rio, como cloaca, vira metáfora dos detritos que a cidade rejeita, incluindo-se entre eles as pessoas. O making of foi feito com certa preguiça, sem a elaboração formal que os críticos e o júri do recente Festival de Brasília identificaram no novo documentário de Mocarzel, Quebradeiras. O diretor faz perguntas, o diretor, o dramaturgo, atores e integrantes das equipes técnica e artística respondem, incluem-se algumas cenas da montagem, mas o espectador que não viu BR3 não chega a ter uma ideia do espetáculo. Para isso, é preciso ver o outro filme, com a peça na íntegra, filtrada pelo olhar do diretor. Beth Néspoli, repórter de teatro do Caderno 2, conta que Mocarzel lhe deu agora uma das mais belas cenas da montagem - que ela havia perdido, in loco: a transformação da sombra de Jonas numa cruz, com tudo o que significa. O espetáculo é forte, mas só a ideia do deslocamento através do rio, naqueles três estágios, pode ser considerada original. Cinematograficamente, o rio, como metáfora, já havia sido mapeado por Ozualdo Candeias em 1967 e A Margem é melhor, um clássico perene do cinema brasileiro. A honestidade de Mocarzel é indiscutível, mas qualquer cena da última segunda tem mais impacto.