A queda de um avião monomotor em Itanhaém, litoral sul de São Paulo, neste domingo, 9, reacende o debate sobre a recorrência de acidentes aéreos. Entre os casos de repercussão nos últimos meses no País, estão os desastres na Barra Funda, na capital paulista, em Ubatuba (SP) e em Gramado (RS), além de uma tragédia com um helicóptero em Caieiras (SP).
Especialistas dizem ser difícil apontar apenas uma tendência por trás da alta. Assim como acidentes aéreos não têm origem só em uma causa, mas em uma combinação de fatores, os analistas apontam uma série de possibilidades para explicar o cenário. Entre elas estão o maior número de voos, as mudanças climáticas e o grande volume de registros por câmeras e de disseminação de imagens em redes sociais, elevando a percepção de risco (leia mais abaixo).
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No Brasil, 2024 teve o maior número de acidentes aéreos da série histórica do Painel Sipaer, que mostra ocorrências desde 2015. A plataforma é gerida pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea Brasileira (FAB).
Em nota, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) diz que “o Brasil segue requisitos internacionais rigorosos e figura entre os 10 países com maior índice oficial de segurança da aviação (95,1%), estando à frente de países como Estados Unidos da América e seus vizinhos na América do Sul”. Já a FAB afirma não ser possível associar a alta de acidentes à maior quantidade de voos.

Foram 175 acidentes e 152 mortes por este motivo no País no ano passado - o índice de fatalidade (número de mortes por quantidade de acidentes) também foi o maior dos últimos 10 anos, ficando em 86,9%.
Em 2023, foram 155 acidentes aéreos e 77 mortes. O índice de fatalidade em 2023 foi de 49,7%. Ou seja, em um ano, os acidentes cresceram 12,9%. Já as mortes por este motivo quase dobraram (+97,4%). Esse balanço é influenciado, no entanto, pela queda do avião da Voepass, em Vinhedo, que teve 62 vítimas em uma única ocorrência.
Os dados do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), da FAB, mostram aumento de 4,7% de voos “gerais”, em que se enquadram justamente os de avião de pequeno porte, de 2023 para 2024. A elevação foi superior ao dos voos comerciais (1%), enquanto os militares recuaram 7%. Mas o Decea defende não ser “possível associar o aumento de acidentes ao crescimento de movimentos aéreos”.
De acordo com a Anac, o Brasil tem 21.112 aeronaves civis, sendo 15.499 estão em situação aeronavegável.
Como os acidentes são recentes, ainda não há relatórios de investigação que apontem as possíveis causas. Inicialmente, costumam ser elaborados documentos preliminares, mas desastres aéreos demoram, em média, mil dias para serem completamente apurados pela Aeronáutica.
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Segundo Lito Sousa, especialista em aviação, hoje a aviação regular, de aeronaves de grande porte, tem “um número cinco vezes maior do que havia na década de 1970, e o número de acidentes é infinitamente menor”. Por isso, na visão dele, o total de aviões voando “não justifica” a maior frequência de acidentes.
“Mas é preciso aguardar os relatórios para ver efetivamente os fatores que contribuíram (para o aumento)”, afirma Sousa, que mantém no YouTube o canal Aviões e Músicas.

Para Maurício Pontes, porta-voz da Associação Brasileira de Pilotos de Aviação Civil (Abrapac), há uma percepção de acidentes mais frequentes devido à facilidade de registro de imagens. Um maior número de câmeras, inclusive nos celulares, e o fácil acesso às redes sociais ampliam a dimensão das tragédias. “Se está havendo mais acidentes e o que leva a isso ainda não dá para responder, mas com certeza a questão ganhou mais evidência”, diz.
“Os acidentes estão acontecendo no mundo todo e a proliferação dos registros de vídeos e imagens está trazendo isso para nossas vidas. Houve aumento da percepção devido ao interesse midiático e à maior facilidade de registros”, acrescenta.
Impacto da crise climática
Para Roberto Peterka, especialista em segurança de voo com mais de 40 anos de aviação, as mudanças climáticas impactam diretamente as aeronaves de pequeno porte. Isso ocorre tanto pela altitude em que elas sobrevoam quanto pelo fato de boa parte delas fazer apenas voo visual, e não operacional.
- No voo operacional, ferramentas tecnológicas apontam a posição e condições da aeronave, permitindo que ela ultrapasse nuvens com mais segurança, por exemplo;
- Já no voo visual, as decisões do piloto para o comando da aeronave dependem exclusivamente do seu campo de visão, vulnerável à neblina.
“Tivemos, nos últimos três ou quatro meses, uma meteorologia totalmente adversa ao voo de pequenos aviões. Os aviões comerciais sobem, vão até lá em cima, e tudo bem. Mas os aviões pequenos, que ficam ‘arrastando a barriga no chão’ sofrem de influência maior de uma meteorologia desfavorável”, diz Peterka.
“Não é o caso do acidente de hoje, mas na maioria dos outros a meteorologia esteve envolvida”, afirma o especialista. Em Gramado, havia chuva e neblina no dia 22 de dezembro, quando a aeronave decolou e colidiu contra uma chaminé segundos depois. Dez pessoas, todas da família do empresário Luiz Cláudio Salgueiro Galeazzi, morreram.

Segundo Peterka, é papel do piloto identificar as condições da aeronave e do voo - e cancelar a viagem se elas não forem favoráveis. No entanto, em casos de aviões particulares, é mais comum haver pressão dos passageiros, que geralmente contratam o piloto por hora e têm agenda a cumprir, para viajar no horário marcado.
“Você não pode ter um fiscal em cada avião. Depende de um trabalho de conscientização”, diz. Uma alternativa, conforme o especialista, é equipar as aeronaves de pequeno porte para realizar voo de instrumento, diminuindo os riscos de acidentes por mau tempo.
O Decea tem um Plano de Desvios em Condições Meteorológicas Severas (SWAP), que tem por objetivo “orientar em nível estratégico as ações adotadas no nível tático por ocasião de cenários operacionais com condições meteorológicas severas que impliquem na necessidade de evitar um determinado espaço aéreo mantendo níveis mínimos de eficiência operacional no SISCEAB”.
Cenário internacional
Não é só no Brasil que um aumento no número de acidentes aéreos no último ano vem sendo especulado. Nos últimos meses, o noticiário mostrou casos relevantes, como os de Washington e Filadélfia, nos Estados Unidos, e o da Coreia do Sul. Neste último, 179 pessoas morreram.
A Associação do Transporte Aéreo Internacional (Iata) não divulgou ainda o relatório de balanço aeronáutico internacional de 2024. No documento sobre o ano anterior, a associação mencionou que aquele havia sido o “o ano mais seguro para voar segundo vários parâmetros”.
“A taxa referente a todos os acidentes foi de 0,80 por milhão de setores em 2023 (um acidente a cada 1,26 milhões de voos), um avanço em relação aos 1,30 em 2022 e a taxa mais baixa em mais de uma década”, afirma a entidade sobre 2023. A média móvel dos cinco anos anteriores (2019-2023) foi de 1,19 (média de um acidente a cada 880.293 voos).
O risco de fatalidade também melhorou em 2023, conforme a Iata, passando de 0,11 em 2022 para 0,03 em 2023. “Com este nível de segurança, em média, uma pessoa teria de viajar de avião todos os dias durante 103.239 anos para sofrer um acidente fatal”, diz a associação.
Não há informações suficientes para identificar se os parâmetros medidos no Brasil e internacionalmente são os mesmos para taxa de fatalidade (do Cenipa) e risco de fatalidade (Iata).