Caro leitor,
Depois de se eleger presidente com uma campanha centrada na defesa da ética e na promessa de estabelecer uma nova era na administração do País, Jair Bolsonaro viu, nessa semana, a chamada “velha política” bater com vontade na sua porta. Uso do foro privilegiado a favor de seu filho Flávio Bolsonaro; recebimento de auxílio-mudança de R$ 33,7 mil pago pela Câmara, mesmo sem mudar da cidade; apoio nos bastidores à reeleição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, considerado um dos representantes do tipo de política que Bolsonaro prometeu deixar de lado; e discussão de possíveis concessões à categorias profissionais, como a dos militares, dentro da reforma da Previdência, mostram que discursos de campanha podem ser muito difíceis de cumprir quando se assume o poder.
Nessa análise, a editora do BR18 Vera Magalhães mostra como a crise aberta com o recurso apresentado pela defesa de Flávio Bolsonaro poderá causar problemas ao governo. A colunista Eliane Cantanhêde também reforça essa impressão na sua coluna. Vale a pena também conhecer os detalhes sobre o pagamento de auxílio-mudança para Bolsonaro, um daqueles benefícios legais, porém injustificáveis, que deputados e senadores seguem recebendo.
O problema de abraçar esses aspectos da “velha política” é que elas podem desgastar muito rapidamente o capital político do presidente eleito. E todos sabem como esse patrimônio será necessário para aprovar projetos tão importantes quanto as reformas. No capítulo anterior, contamos que Bolsonaro precisava dar uma espécie de freada de arrumação para poder organizar as ações do seu governo e evitar as trombadas internas. Tudo para que o principal foco do seu mandato – promover a recuperação econômica do País – não se perdesse. E esse flerte com o jeito antigo de governar acontece justamente quando o presidente tem uma espetacular oportunidade de mostrar o novo Brasil que se propõe construir.
Ele será a grande atração do Fórum Econômico Mundial, em Davos, e deverá dar a ótima notícia de que seu governo vai se comprometer em aprovar rapidamente a reforma da Previdência. Você pode ler mais a esse respeito nessa reportagem. E também pode ler sobre a chance de ouro que Bolsonaro terá para apresentar um novo Brasil para as plateias internacionais nesse editorial. É essa expectativa pela aprovação da reforma que tem feito investidores demonstrar forte otimismo com a recuperação econômica do País. E se a política parece vulnerável aos problemas, a economia demonstra estar conseguindo, até agora, se manter blindada dessas primeiras dificuldades. A Bolsa de Valores tem conseguido obter impressionantes altas seguidas. Leia aqui sobre essa euforia.
A dúvida é que o mundo real, que passará diariamente pelas negociações entre governo e Congresso, pode acabar derrubando essas expectativas se Bolsonaro e seu time não tiverem muito cuidado. A proposta de reforma ainda não está fechada, mas alguns pontos começam a ser revelados, impulsionando o otimismo ao indicar a disposição de equilibrar o bagunçado sistema previdenciário. Você pode ver alguma das ideias que estão sendo discutidas aqui.
Mas essas ideias precisam ser muito bem amarradas para que deputados e senadores não suavizem demais o texto. Mexer com a Previdência continua sendo um tema muito sensível para os parlamentares que não querem desagradar suas bases. Ao mesmo tempo que alguns torcem o nariz para as modificações, outros preferem que a mudança atinja todas as categorias de alguma maneira, inclusive os militares. O deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE) já avisou que se o governo aliviar para os militares, “a reforma poderá ir para o brejo”. É sobre essa fina linha de equilíbrio que Bolsonaro e seus auxiliares precisarão caminhar sem escorregar.
Por isso, a engenharia política com o Congresso precisa ser muito bem azeitada e não permite brecha para um namoro mais intenso com as antigas práticas políticas. O governo deu um passo importante nomeando finalmente um líder para o governo na Câmara. Mas escolheu um novato, o deputado eleito Major Vítor Hugo (PSL-GO), que, para complicar a situação, também é militar. Sua inexperiência na articulação, alertada por especialistas, poderá tornar o governo mais dependente do que nunca dos tradicionais líderes políticos, como Rodrigo Maia e, até mesmo, o senador Renan Calheiros - que pretende se eleger presidente do Senado pela quinta vez. Abraçar o carcomido jeito de fazer política é potencialmente o gesto mais fácil para que a administração de Jair Bolsonaro obtenha um conforto inicial na tentativa de aprovar as propostas do seu interesse. O risco é que, depois de passar pela porta aberta, a velha política decida se instalar de vez dentro do governo e tome conta da casa.
Leia nas Supercolunas:
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.