Boom nas exportações impulsiona investimentos do Brasil nos vizinhos

Para empresas do Brasil, países vizinhos expandem suas oportunidades.

PUBLICIDADE

Por Da BBC Brasil
4 min de leitura

A expansão das exportações brasileiras nos últimos cinco anos está tendo um efeito colateral sobre os investimentos do Brasil na América do Sul. Seguindo o boom nas vendas para os vizinhos, várias empresas brasileiras resolveram dar o passo seguinte e se instalar nesses países como forma de expandir ainda mais suas oportunidades. "O ciclo normalmente começa com a exportação de produtos prontos feitos no Brasil e depois uma parte da produção pode ser deslocada para o país de destino", afirma José Augusto Fernandes, diretor-executivo da CNI. Segundo Fernandes, o investimento brasileiro na América do Sul é mais diversificado do que no resto do mundo, justamente como as exportações. A região é a parte do mundo para a qual o Brasil mais vende, proporcionalmente, produtos manufaturados. O tamanho dessa expansão não é fácil de medir por causa da forma como são registrados os investimentos estrangeiros do Brasil pelo Banco Central (BC). De acordo com os dados do banco, no final de 2006, a região acumula 6,5% do total de investimentos brasileiros no exterior. Praticamente metade da proporção de 2001, quando recebeu 12,3% do total. Por esse cálculo, em números absolutos o investimento brasileiro na região passou de US$ 5,2 bilhões para US$ 6,3 bilhões, sempre considerando o estoque acumulado no final do ano. Mas o problema é que muitas empresas brasileiras usam paraísos fiscais para investir em outras nações. De acordo com o BC, 65% do estoque dos investimentos brasileiros em 2005 estavam concentrados nas Ilhas Cayman, na Dinamarca, nas Bahamas e nas Ilhas Virgens Britânicas, regiões que concentram sedes de empresas por causa de vantagens tributárias ou legais. Isso acaba escondendo o verdadeiro destino do investimento. Um exemplo é a Petrobras Bolívia, controlada por uma filial da empresa na Holanda. Praticamente todo o investimento brasileiro no país (mais de US$ 1,5 bilhão, segundo a própria empresa) acaba sendo contado como investimento na Holanda e não nas refinarias bolivianas. Invasão Basta caminhar com atenção pelas ruas de Buenos Aires para saber que esses números não refletem toda a história. Petrobras, Havaianas e Brahma são algumas das marcas visíveis, mas mesmo por trás de nomes extremamente conhecidos, como Quilmes (cerveja) ou Paty (hambúrguer), hoje há capital brasileiro. "O Brasil é definitivamente o principal investidor na Argentina depois do colapso do regime de conversibilidade (quando o peso era atrelado ao dólar). Não só porque seus valores são significativos, mas pelo aspecto qualitativo ao ocupar posições chaves em vários mercados de consumo", disse em entrevista à BBC Brasil o diretor da Cepal na Argentina, Bernardo Kosacoff. Segundo diferentes fontes no país, o cálculo do quanto o Brasil já investiu no vizinho varia de US$ 7,5 bilhões a US$ 9 bilhões. Pelos cálculos de Álvaro Schocair, presidente do Grupo Brasil, que representa várias grandes empresa no país, existem hoje cerca de 200 empresas brasileiras atuando na Argentina, em setores tão variados como combustíveis, construção civil, alimentos e calçados. A Argentina é o país onde os investimentos brasileiros estão mais diversificados. Em outros vizinhos, o padrão tem sido mais focado em alguns grandes setores, como energia ou a agroindústria. Chile, Bolívia e Uruguai são exemplos desse processo. O caso boliviano é conhecido graças à disputa do país com a Petrobras, uma das principais empresas investidoras no país e na América do Sul. Os dados do Banco Central mostram que o Chile até superou a Argentina em 2007: US$ 689 milhões contra US$ 528 milhões. Embora seja difícil saber se investimentos a partir de paraísos fiscais podem alterar esses dados. O maior foco do Brasil no país é na indústria pesada, especialmente a mineração e a indústria química, de acordo com dados do comitê de investimentos no país, que é ligado à Presidência chilena. Em menor grau as empresas brasileiras também têm avançado no Uruguai. No ano passado, a Camil Alimentos comprou a principal beneficiadora de arroz do país, a Saman, e chamou a atenção dos uruguaios. A compra fez parte de uma série de aquisições no setor agroindustrial e no setor frigorífico que tem sido feita por empresas do Brasil. De 2004 a 2006, os investimentos saltaram de US$ 12 milhões para US$ 311 milhões. Críticas O avanço brasileiro é visto de maneira distinta dentro dos países vizinhos. Por um lado, geram reclamações de empresários e trabalhadores em alguns setores que foram comprados, que temem que a mudança de controle afete o desenvolvimento de algumas indústrias; por outro, o dinheiro é visto como uma alternativa para a falta de capital local. "É sempre boa a incorporação de capital para que a Argentina consiga fazer crescer seu aparato produtivo", afirma Dante Sica, presidente da consultoria Abeceb, especializada nas relações entre as duas maiores economias da região. Para o presidente da Associação Comercial Brasil-Uruguai, Emilio Ponfilio, os investimentos brasileiros, especialmente no setor de frigoríficos, foi recebido com temor no país. Segundo ele, temia-se, por exemplo, que fossem feitas grandes mudanças estruturais ou que os preços fossem aumentados. "Os frigoríficos já mostraram que não vieram para romper com o marcado", diz ele. "Trouxeram nova tecnologia, novas oportunidades e creio que foi uma experiência favorável (...), sobretudo na exportação de carne." Em outros países da região, como a Bolívia ou o Equador, os investimentos brasileiros têm sido vistos de forma mais crítica. "Nesse afã do Brasil de ser uma grande potência, não há muito escrúpulo em subtrair vantagens em seu trato com outros países", acredita o ex-ministro de Hidrocarbonetos boliviano Andrés Soliz Rada, um crítico da Petrobras e um defensor da nacionalização das empresas estrangeiras feita por Evo Morales em 2006. Com moeda brasileira forte e a urgência de expansão internacional que algumas grandes empresas apresentam, a tendência que se verificou nos últimos anos ainda deve mostrar fôlego. E os críticos também. *Com reportagem de Alessandra Corrêa (Bolívia e Paraguai), Andrea Wellbaum (Argentina e Uruguai), Márcia Carmo (Argentina) e Denize Bacoccina (Brasília) BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.