Brasileiros que integram o Conselho Geral dos Italianos no Exterior (CGIE) relatam um cenário de “incerteza” após um decreto-lei que muda as regras para reconhecimento da cidadania do país europeu. A nova norma - publicada na sexta-feira, 28, - limita o “direito de sangue” a duas gerações (quem tem pai, mãe ou avós nascidos na Itália). Antes, bisnetos e trinetos conseguiam a nacionalidade. Para seguir válida, a norma precisa ser ratificada pelo Parlamento em até 60 dias.
O CGIE é um órgão consultivo do governo do país europeu para representar interesses dos italianos que vivem no exterior. Dois brasileiros membros do conselho ouvidos pelo Estadão acreditam que o decreto deve ser aprovado com alguns ajustes no Legislativo, mas será contestado na Suprema Corte italiana. Advogados ouvidos pela reportagem também fizeram avaliação semelhante.
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Daniel Taddone e Walter Petruzziello são dois dos quatro representantes do Brasil no CGIE. Ao todo, o conselho tem 63 membros, representando os interesses de vários países.
Petruzziello participou nessa terça-feira, 1º, de reuniões na Câmara e no Senado italiano para discutir o posicionamento do CGIE contra o decreto-lei. Segundo ele, os parlamentares sinalizarem que vão fazer mudanças no decreto, mas não indicaram exatamente quais os pontos que devem ser flexibilizados.
O governo italiano tem maioria no Parlamento e são raros os deputados e senadores que têm se posicionado, de forma contundente, contra a mudança, dizem os conselheiros. Por isso, a expectativa é de aprovação com algumas modificações. Mas, depois disso, ambos acreditam que haverá questionamento pela Corte Constitucional - o que pode levar cerca de um ano. “Até lá, nós vamos ter um período muito grande de confusão e de incerteza”, diz Taddone.

O CGIE fará, a pedido do parlamento, um parecer contestando diversos pontos do texto, diz Petruzziello. Para ele, uma das principais preocupações é blindar da nova lei os descendentes que não deram início ao processo da cidadania, mas já haviam entregue a documentação necessária ou já haviam entrado na fila no consulado.
Outra requisição é permitir que italianos não nascidos no país europeu, mas que já tiveram sua nacionalidade reconhecida (antes de a lei entrar em vigor), também possam passar a cidadania adiante, independentemente da geração.
Um dos pontos mais questionados por advogados é a retroatividade da lei. Para os críticos, a regra viola a Constituição italiana ao alterar um direito adquirido. Segundo a norma ius sanguini, seguida pela Itália, descendentes de italianos são considerados italianos desde o nascimento e só precisam reconhecer tal direito por questões burocráticas. O correto, segundo essa análise, seria que o decreto tivesse vigência apenas para nascidos a partir de sua publicação (28 de março).

“Se as cortes superiores da Itália fizerem o que sempre fizeram com relação à questão da aplicação da lei, vão declarar inconstitucional quando o decreto foi convertido em lei se forem mantidos os pressupostos atuais”, diz Taddone, que também é sociólogo e genealogista.
Motivações
Segundo Taddone, entre os insatisfeitos com as regras anteriores para reconhecimento da cidadania estavam os funcionários das comunas (“as prefeituras” italianas), dos tribunais de Justiça e dos consulados.
Isso decorria do grande volume de trabalho das instituições para lidar com processos de cidadania de estrangeiros. Pequenas comunas, muitas vezes, têm mais cidadãos no exterior (em sua maioria, naturalizados) do que nos próprios municípios. E é a estrutura da própria “prefeitura” que fica responsáveis pela certidão de nascimento dos italianos que migraram no passado, documento exigido no reconhecimento da cidadania.
Além disso, alguns tribunais de Justiça italianos chegaram a ter a maior parte de seus processos de ordem civil relacionados a pedidos de cidadania, afirma Taddone. Diplomatas e funcionários de consulados também reclamam de um “mercado de venda de cidadanias”, muitas vezes com irregularidades.
“A nacionalidade deve ser algo sério”, afirmou o ministro das Relações Exteriores e Cooperação Internacional da Itália, Antonio Tajani.
Na visão Taddone, embora haja esse problema da alta demanda, houve também uma campanha de difamação contra os descendentes de italianos interessados em requisitar o documento.
“Consideram os ítalo-sul-americanos como ‘usurpadores’, que querem a cidadania apenas por questões de utilitarismo”, ele diz.
Alternativas
Apesar de discordar do decreto-lei, ele pondera que o alto volume de processos impõe a necessidade de regulamentação. “É possível (estabelecer um limite geracional), mas não como uma limitação para a solicitação, e sim com um requisito de que, em certas ocasiões, a pessoa tenha que fazer algo para conservar a nacionalidade”, defende.
Uma alternativa para essa regulamentação seria, por exemplo, determinar que pessoas que já tiveram sua cidadania reconhecida tenham um período para comprovar um nível intermediário de proficiência no italiano. Outra proposta é prever para aqueles que ainda desejam se naturalizar um prazo para fazê-lo antes de perder o direito, sugere o conselheiro.