Comércio esconde arte na Sé

Empresa dá explicações contraditórias; autora exige retirada de lojas

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Por Nathalia Lavigne e SÃO PAULO

Era para ser apenas uma série de canaletas vedando a sala de máquinas da Estação Sé do metrô, em São Paulo, quando Renina Katz aceitou o "castigo" de produzir uma obra naquele suporte, pensando por que não tinham lhe oferecido uma simples parede lisa. Como se tratava do primeiro trabalho de arte no metrô, projeto que surgiu em 1978, aceitou o desafio, transformando a pesada massa cinzenta num painel verde de 30 metros, com 55 módulos, que cria um jogo óptico e muda de forma conforme o percurso. Desde o início de dezembro, quem passa pelo corredor que dá acesso ao Poupatempo não vê nenhuma sombra do mural verde. A única pista de onde foi parar o painel é o barulho da cascata, também escondida e que forma conjunto harmônico com a obra. O ruído é ecoado pelas paredes dos estandes comerciais vazios. "Foi um trabalho feito para as pessoas que passam por ali, é decepcionante. Primeiro pensei que estivesse tendo uma crise de elitismo, mas depois vi que é uma falta de respeito com o meu trabalho e, principalmente, com o público. Isso é uma forma de vandalismo", reclama a artista, indignada. Quando um amigo informou sobre a ocupação, Renina ligou imediatamente para a empresa e foi informada de que os estandes seriam retirados, mas até ontem eles continuavam na estação. "Podiam ao menos ter me consultado. Agora tenho dúvidas se isso será reversível." Inaugurado em 1980, o painel acabou de ser restaurado e foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp) há três meses. Ele faz parte das 85 obras do acervo, pelo qual o metrô de São Paulo já foi distinguido pela União Internacional do Transporte Público (UITP). O Metrô apresentou duas versões para a ocupação. Na primeira, informou que seu setor de comercialização transferiu as lojas para o local provisoriamente, enquanto o espaço onde ficam, perto do banheiro, está em reforma. Depois informou que a decisão de ocupar o espaço foi da própria empresa que organiza a feira, sem consulta ao Metrô. PUBLICIDADE X ARTE Embora em condições menos graves, outras obras são prejudicadas por cartazes publicitários e lojas nas estações. Na Sé, o painel de Mário Gruber Correia, na plataforma central, tem sua visão prejudicada por uma peça de publicidade. Na Estação Tucuruvi, a escultura de Renato Brunello, com quase 2 metros de altura e 1,35 m de largura, também perdeu espaço para lojas. Artistas que têm obras no metrô compartilham da mesma indignação. "A galeria é um projeto maravilhoso, mas se, isso aconteceu uma vez, vai acontecer com todas as outras obras", diz Lygia Reinach, autora de uma instalação que fica no mezanino da Estação Ana Rosa. Maria Bonomi se queixa de goteiras e da falta de iluminação em seu painel Epopéia Paulista, na Estação Luz, administrada pela CPTM. "O que aconteceu com a Renina foi só o estopim de um problema que já vem acontecendo, um desrespeito com as obras de arte públicas." A artista nem sabia, mas há uma placa ?Não Fume? pendurada em sua obra.

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