Conferência de paz sobre Síria enfrenta tropeços antes de começar

PUBLICIDADE

Por TOM MILES E GABRIELA BACZYNSKA
3 min de leitura

Delegados sírios e internacionais chegaram à Suíça nesta terça-feira para conversações de paz que poucos acreditam possam ser bem-sucedidas, já que a guerra civil de quase três anos e o amargor geopolítico causado pelo conflito não dão sinais de abatimento. Opositores do presidente sírio, Bashar al-Assad, pressionados por aliados ocidentais a participar das primeiras negociações diretas marcadas para quarta-feira, renovaram sua exigência de que Assad tem de deixar o poder e ser julgado por um tribunal internacional por crimes de guerra, citando novas evidências fotográficas de tortura generalizada e matanças por parte do governo sírio. Advogados especializados em crimes de guerra disseram que um vasto arquivo de imagens contrabandeadas, de um fotógrafo da polícia militar síria, é uma clara amostra de abusos sistemáticos e do assassinato de cerca de 11.000 presos. Um dos três ex-promotores internacionais de crimes de guerra que assinam o relatório comparou as fotos da Síria com a "escala de matança industrial" dos campos da morte nazistas. A delegação da Síria, liderada pelo ministro de Relações Exteriores, ficou por breve período retida em Atenas, na Grécia, por causa de uma divergência sobre se as sanções comerciais da União Europeia permitiam reabastecer o avião. Assad insiste em que pode ser reeleito neste ano e diz que as conversações deveriam se concentrar no combate ao "terrorismo" - o termo que usa para seus inimigos. A Organização das Nações Unidas e os copatrocinadores da conferência, a Rússia e os Estados Unidos, poderão pelo menos ficar aliviados se e quando as duas partes se sentarem para negociar no hotel Montreux Palace, no Lago Genebra. CAOS DIPLOMÁTICO A segunda-feira foi marcada por uma confusão diplomática que ameaçou inviabilizar a reunião, depois que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, fez um convite de última hora para o Irã, principal aliado estrangeiro de Assad, participar da conferência. O convite foi retirado depois de uma ameaça de boicote da oposição, pressão de países ocidentais e a insistência do Irã de que não havia concordado com a condição fixada por Ban para sua presença - que endossasse uma conferência de paz anterior, em 2012, a qual pedia que Assad abrisse caminho para um governo de transição. Diminuir o fosso entre as duas partes em guerra parece uma tarefa gigantesca. Diplomatas da ONU enfatizam que o encontro em Montreux na quarta-feira, a ser possivelmente seguido de novas conversações em Genebra a partir de sexta-feira, está apenas começando. Poderia resultar em alguns acordos para aliviar o sofrimento dos civis e troca de prisioneiros. Não só as duas partes estão comprometidas a lutar nas linhas de frente, onde a vitória ainda continua a escapar dos dois lados, mas a maioria na miríade de grupos rebeldes repudiou a organização opositora Coalizão Nacional, no exílio, por ter aceitado participar das conversações. E embora o mediador da ONU, Lakhdar Brahimi, teoricamente tenha o apoio consensual das potências mundiais, o alvoroço causado pelo convite ao Irã ilustra como a guerra distanciou potências ocidentais da Rússia e colocou contra o Irã xiita os Estados árabes sunitas, que apoiam os rebeldes. O presidente russo, Vladimir Putin, e o mandatário dos EUA, Barack Obama, mantiveram por telefone uma conversa "construtiva e voltada para negócios" sobre a Síria, disse o Kremlin. O chanceler russo, Sergei Lavrov, e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, devem se reunir mais tarde em Montreux. No entanto, a disseminação da violência, que já matou mais de 130.000 pessoas e levou um terço dos 22 milhões de habitantes da Síria a deixarem suas casas, fez com que surgisse um novo ímpeto para os esforços internacionais para deter o derramamento de sangue. Já se passaram 18 meses desde que a conferência internacional de paz anterior, chamada Genebra 1, terminou em fracasso, e todas as outras iniciativas diplomáticas se mostraram infrutíferas. "Na melhor hipótese, Genebra 2 vai reafirmar acordos feitos durante a primeira conferência de Genebra, pedir cessar-fogos, talvez trocas de prisioneiros e assim por diante", disse um diplomata ocidental. "Ao mesmo tempo, quem participa das conversas está, na prática, dando legitimidade a Damasco. Eles estão conversando com o governo de Assad do outro lado da mesa. E, portanto, o show deverá continuar enquanto Assad permanece no poder." Em declaração na chegada à Suíça, o secretário-geral da Coalizão Nacional e membro de sua equipe de negociadores, Badr Jamous, disse à Reuters: "Nós não vamos aceitar menos do que a remoção do criminoso Bashar al-Assad, a mudança do regime e a responsabilização dos assassinos." O diálogo poderá aumentar, contudo, a luta interna entre as facções oposicionistas rivais, que já é bastante violenta. A conferência está sendo boicotada pelas poderosas facções islamitas sunitas que controlam parte substancial território sírio. Elas qualificam a oposição política no exílio como traidora por participar das conversações. O secretário-geral da ONU chegou a Genebra depois de quase ter dinamitado as negociações com o convite feito ao Irã. Seus assessores o afastaram das perguntas dos repórteres sobre o caso. (Reportagem adicional de Stephanie Nebehay, em Genebra; de Garbiella Baczynska, em Moscou; de John Irish, em Paris; de Guy Faulconbridge, em Londres; de Laila Bassam, Alexander Dziadosz e Stephen Kalin, em Beirute; e de Isabel Coles, em Arbil)

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.