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Corrupção e crise econômica

Corrupção, investigações, escândalo e cerco político à presidente compõem a maior parte dos parágrafos dedicados ao Brasil no relatório do Panorama Econômico Regional divulgado ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Até as acusações de irregularidade na campanha da reeleição, no ano passado, aparecem no documento. As “condições políticas em deterioração” haviam sido citadas num documento distribuído um dia antes, o Panorama Econômico Mundial, mas sem detalhes. Ao apresentar esse relatório, o novo economista-chefe da instituição, Maurice Obstfeld, contrastou a política econômica brasileira com a de países citados como bons exemplos, como Chile, Colômbia e Peru. Mas absteve-se de falar sobre o lodaçal político.

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Por Redação

O antecessor de Obstfeld, o professor Olivier Blanchard, havia usado a palavra corrupção numa entrevista coletiva e os últimos relatórios produzidos sob sua orientação mencionaram as investigações sobre a Petrobrás. A fala de Obstfeld e o Panorama podem ter dado a impressão de um tratamento mais contido, embora crítico. Mas essa impressão durou pouco. Se um estrangeiro quiser uma informação básica sobre os escândalos, a crise política brasileira e seus efeitos econômicos, a leitura de dois longos e sólidos parágrafos do relatório sobre o hemisfério ocidental será muito útil.

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Os dois parágrafos mostram como os erros da política econômica e a eclosão da crise política se juntaram na produção de um desastre. O mau estado da economia brasileira resultou principalmente de fatores internos, segundo o documento. Problemas externos, como a queda de preços dos produtos básicos, tiveram menor peso.

Essa avaliação, sustentada por analistas brasileiros, contrasta com a alegação repetida pela presidente Dilma Rousseff de que a crise foi causada basicamente por choques provenientes do exterior. Um erro de diagnóstico levou a uma política de estímulos à demanda, causando uma inflação bem acima da meta e acelerando a deterioração das contas públicas. Como desdobramentos vieram as medidas de aperto monetário e fiscal.

Ao mesmo tempo, assinala o relatório, uma grave crise política foi provocada por uma ampla investigação sobre a Petrobrás, seus fornecedores e políticos. O texto menciona também as suspeitas de irregularidades na campanha eleitoral e o exame das pedaladas fiscais pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

A interação das crises política e econômica afetou a confiança de consumidores e de empresários e levou a uma contração maior da atividade, afetando a arrecadação, aumentando a insegurança em relação à dívida e abrindo caminho para o rebaixamento do crédito ao nível de lixo.

Ao expor as entranhas da política brasileira no documento, os técnicos e dirigentes do FMI deixam muito claro um contraste. A origem da crise brasileira é principalmente interna, mas a repercussão dos erros e desmandos combinada com a bandalheira política é internacional. Os políticos envolvidos direta ou indiretamente na devastação econômica e financeira da Petrobrás subestimaram, com certeza, o alcance de seus atos.

A pilhagem da Petrobrás, o escândalo das propinas, a compra da refinaria de Pasadena, a ingerência nos preços dos combustíveis e os projetos mal concebidos, como o da Refinaria Abreu e Lima, são partes de uma única história. Essa narrativa se junta, inevitavelmente, aos desmandos e atos de corrupção cometidos em outras áreas, como de eletricidade. A pilhagem do patrimônio público, o loteamento de cargos, a interferência política em preços e tarifas, a concessão seletiva de benefícios fiscais e financeiros, o manejo desastroso do dinheiro público e o descontrole inflacionário são ramos e folhas da mesma árvore.

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Os problemas fiscais, econômicos e políticos alegados como razões para o rebaixamento do crédito oficial do Brasil são aspectos dessa história. O corte da nota de crédito soberano resultou numa reclassificação da Petrobrás. Movimento em sentido inverso pode ocorrer: o enorme endividamento da Petrobrás é um fator de risco para o crédito soberano, de acordo com um dos estudos publicados do FMI. Juristas podem até defender a divisão de todos esses casos. Para os analistas econômicos e para o mercado a narrativa é uma só.