A música que sai de um simpático casebre em Perdizes é conhecida dos roqueiros, Should I Stay or Should I Go?, da banda Clash. Dentro, um punk inglês cinquentão, coberto por tatuagens, caminha entre as mesas. A bandeira da Grã-Bretanha e a camiseta com o rosto de Sid Vicious - o baixista morto do Sex Pistols - é uma dica de que ali é território estrangeiro. De repente, uma criança passa pela rua com a mãe. "Cadê o tio Ryk?", pergunta. Ryk Preen, o punk cozinheiro, responde com sotaque de gringo. "Vai querer uma torta hoje?"Ryk, em sua agradável casa de tortas, a Pie in the Sky, é mais um roqueiro a fazer sucesso como chef em São Paulo. Gente tatuada, com um pé no rock e as mãos no fogão - algo até malvisto nos anos 80, antes de a tatuagem provar que não é sinônimo de falta de higiene -, investe em pratos com a mesma atitude que teria para cantar no palco com os Ramones.As tatuagens de André Mifano, semicobertas por um avental branco, mostram que ele é outro migrante do "movimento". Considerado chef revelação do ano pela revista Veja São Paulo, Mifano tem uma rotina no restaurante Vito que começa às oito da manhã. Aos 32 anos, trabalha desde os 14 em cozinhas "com trilha sonora". "Não paro um minuto de escutar música. É uma trilha necessária, já que fico mais de 12 horas no restaurante." Fã de Bad Religion e Johnny Cash, o chef faz uma confissão sobre o som que preenche o Vito: "Escutamos muito forró. Meus funcionários são todos do Norte." Assim como Ryk, Mifano é o responsável por todos os pratos da casa, especializada em comida italiana. "Só não gosto de ficar andando pelo salão", conta. "Um cliente veio me falar que tinha adorado tudo, menos as tatuagens." Os desenhos nos braços fazem referência à cozinha. "Fico tanto tempo estudando e cozinhando que já acabei com dois casamentos. Hoje, só tenho meus dois cachorros." Chuck Hipolitho, ex-vocalista da banda Forgotten Boys, não é exatamente um Alex Atala - espécie de "pai" dos "roqueiros-tatuados-chefs-de-cozinha", considerado um dos melhores na atual gastronomia - mas faz das suas. Casado com a atriz Débora Falabella, Hipolitho estudou Gastronomia em 2005 e se aventurou como assistente de Adilson Batista no restaurante Madeleine. Agora, já pensa em montar seu próprio negócio com a mulher. "Quando comecei a estudar, ser chef estava na moda, mas nunca tive moleza dentro da cozinha", lembra. "Lavava prato e chão, cortava batata. Quem acha que ser cozinheiro tem glamour, pode esquecer." Sua nova paixão é preparar massas em casa. "Quando me casei com a Débora, ela passava muito tempo no Rio. Cozinhava para ela, congelava e ela comia comida caseira todo dia."O ponto em comum entre tocar guitarras e montar pratos, a atitude, pode ser o que atrai cada vez mais roqueiros à beira do fogão. O punk Ryk, de Perdizes, faz tudo em sua receita de tortas, incluindo a massa com bacon, e cria combinações como carne com cerveja escura, cordeiro com cebolinha, porco com maçã, estrogonofe com páprica russa picante e fígado com cebola caramelizada. A história do inglês que veio há dois anos para o Brasil e decidiu cozinhar deu tão certo que ele abrirá, em novembro, outro restaurante, o The Bristol Tavern, na Rua Ministro Gastão Mesquita, 234. "Será tipicamente inglês, com muito fish and chips (peixe e fritas). As pessoas vão perder o preconceito de que inglês só faz comida ruim." A seu lado, a mulher Ana Cláudia, grávida de 7 meses, uma espécie de "Yoko Ono do bem". "Nos conhecemos pela internet e Ryk decidiu vir ao Brasil. Nos casamos e resolvemos abrir a casa", conta Ana. O rock perdeu o cozinheiro. E a cozinha ganhou o roqueiro.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.