O ministro da Cultura britânico, James Purnell, encarregou sir Brian McMaster, ex-diretor do prestigioso (como há coisas prestigiosas dando sopa neste mundo de Deus) Festival de Edimburgo, de escrever uma espécie de tratado sobre o estado atual e futuro das artes na Grã-Bretanha. O texto servirá de base para os rumos que a criatividade seguirá nestas ilhas. O ministro Purnell, equivalente britânico de nosso querido e prestigioso ministro Gilberto Gil, propôs ao autor da obra em questão que focalizasse a questão da "excelência" - no sentido de qualidade e não lidar com puxa-saquismo reverencial - deixando de lado as possibilidades de se atingir determinados objetivos. O ministro Purnell deve saber muito bem que arte, com minúscula ou maiúscula, não tem objetivo. Arte simplesmente é. Ou, na maior parte das vezes, existe complexamente. Segundo o ministro Purnell, o fato de se sair por aí pintando, compondo ou escrevendo poderia contribuir para um momento cultural histórico no país. Sir Brian já apresentou às devidas autoridades o fruto de seu labor, conforme costumavam dizer e fazer os encarregados dos atos criativos de outrora, talvez até mesmo na Renascença original. Sir Brian batizou suas ponderações de "A excelência nas artes", sem tentar vôos artísticos mais altos e perigosos. Ao que tudo indica, trata-se de um guia com os pés no chão. E não vamos interpretar isso mal. Não confundir, de jeito nenhum, com aquele camarada apontando, por alguns trocados, para a turistada toda, essa e aquela outra das 365 igrejas que a Bahia tem, como compôs e interpretou, em uma de nossas inúmeras Renascenças, mestre Dorival Caymmi. É guia no sentido de mapa, trajeto, percurso a seguir. Momento histórico O ministro James Purnell declarou à imprensa que, na obra de sir Brian McMaster, ele se deparou com o que o autor chama de "potencial para uma nova Renascença". Complementou o ministro Purnell que "não acha que seja um exagero. Trata-se da pura verdade." Pura verdade, disse ele. Pura verdade, repito eu. E repito temeroso. Não me sai da mente aquele filme do Woody Allen em que ele se volta para alguém e sugere se mandarem, já que logo, logo vem aí a Renascença, com gente pintando e criando adoidada, e seria melhor sair da frente. Temo qualquer remake, conforme se diz em português indigno da aprovação de nosso, ou vosso, deputado Aldo Rabelo. Outro dia, vi cinco minutos do remake (perdão mais uma vez, Vossa Excelência) da "Aventura do Poseidon" e corri para me virar e afogar em outro canal. A primeira Renascença já foi fogo. Durou, mais ou menos, de 1430 a fins do século XVI, e além de acabar dando em peste bubônica, criou este mercado inquietante de arte que sacode o globo em que somos obrigados a prosaicamente ir e vir do trabalho enquanto as elites - não é isso? Elites? - consomem artes visuais ou de forma passiva, indo aos museus ou colecionando fascículos dispendiosos, ou de forma ativa, comprando por milhões ou bilhões este ou aquele outro renascentista "intaliano", em geral uns bons farsantes e além do mais péssimos caracteres, a soldo de quem pagasse melhor. Conforme algumas determinadas escolas de historiadores da arte. Além do mais, cá entre nós, se a seleção inglesa sequer consegue se classificar para o Mundial, que história é essa agora de "nova Renascença"? Além do mais um tremendo pleonasmo, uma nítida redundância se formos ver a coisa pelo viés (tudo visto por um viés é artístico paca) linguístico. Tem mais Sir Brian McMaster argumenta, na obra-guia, que o momento é o mais adequado para se transformar "esta sociedade, que é das mais eletrizantes que a Grã-Bretanha já conheceu". Prossegue dizendo que "nunca foram as artes tão necessárias para se entender as profundas complexidades de nossos dias". E sir Brian argumenta a favor de uma nova apreciação das atividades culturais britânicas. A notícia percorreu de forma modesta as páginas internas dos jornalões do país (ainda há humour por estas bandas) na primeira semana de janeiro. Que foi o bastante para, no Sunday Times do Dia dos Reis, a página 12 ser totalmente ocupada por mais arte, lato sensu, desta vez da autoria Ilma. Sra. Dona Yoko Ono. Lá estava: uma página inteira em branco com apenas duas palavras no meio em tipo grande: imagine peace. Em baixo, letrinha pequena, love, Yoko Ono encimando seu sítio (é isso, deputado?) informático: www.IMAGINEPEACE.com. Conclusão Se essa Renascença vier mesmo, eu me mando. Mesmo prestes a completar 30 anos seguidos de Londres neste 21 de janeiro. Gudibái, neo-renascentistas em flor ou chamas. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.