Amanhã, quando o espetáculo dirigido por Zhang Yimou lançar vôo no "Ninho de Pássaro", abrindo a Olimpíada, o mundo já saberá quem é o primeiro vencedor dela: a arquitetura. O Estádio Nacional, imediatamente rebatizado pela população por suas formas, é uma das cinco grandes obras que a cidade ganhou com assinatura de famosos arquitetos estrangeiros, ao lado do Centro Aquático Nacional (o "Cubo d'Água"), das torres da CCTV, do Grande Teatro Nacional e do novo terminal do aeroporto, todos visitados pelo Estado. Eles não apenas transformaram a paisagem de Pequim; passaram a ser referências da arquitetura para o século 21.
O Estádio Nacional é um trabalho da dupla suíça Herzog e De Meuron, a mesma que fez o estádio de futebol Allianz Arena em Munique para a Copa de 2006. Ali ele se parecia com um pneu gigante, que à noite era iluminado pelas cores dos times em disputa. Aqui a semelhança com o Ninho de Pássaro, que os autores dizem casual, não esconde um avanço em seu estilo: trata-se de uma estrutura assimétrica em sua face longitudinal (um lado é mais alto do que o outro) e a trama de concreto ao seu redor não usa paralelas, mas linhas oblíquas que lhe dão um movimento orgânico. Além disso, a estrutura interna em vermelho, vazada pela trama, aumenta a leveza, principalmente com a iluminação noturna.
Ao lado dele, na região da Vila Olímpica, o Cubo d'Água é do escritório australiano PTW e parece uma forma lúdica, como um colchão de gomos azuis suspenso do chão sem pilotis. Ao mesmo tempo, há nele uma austeridade, como se não quisesse apostar demais na brincadeira pós-moderna. Tudo é liso, reto, proporcional. Foi o único prédio que o Estado foi autorizado a visitar por dentro, e seu interior reforça ainda mais essa sensação: o material é transparente, como vidro normal, e apenas por fora se vê o azul. À noite ele ganha outros tons de azul e verde por luzes artificiais. O espaço interno é bem mais convencional, um ginásio com duas piscinas cercadas por arquibancadas, exceto pela altura incomum.
As torres da rede estatal CCTV, no chamado "terceiro anel" (avenidas circulares que dividem a cidade em áreas), região de bancos e empresas, não conseguem ser ignoradas por ninguém que passa. Como diz um jovem chamado Xiao Li, 25 anos, na edição de ontem do jornal China Daily, "ele muda de aparência quando a gente olha de ângulo diferente". As torres na verdade são uma só: elas se inclinam e se unem por um "L" suspenso. O vidro foi coberto por uma trama de linhas pretas que formam losangos de diferentes tamanhos, como que colados à superfície. Rem Kolhaas, arquiteto holandês, parece ter chegado ao auge.
Arquitetado pelo francês Paul Andreu, o Grande Teatro Nacional fica no centro - próximo à praça Tiananmen - e não é tão grande nem tão peculiar, mas tem muita presença também. É como uma calota de alumínio e vidro, que parece flutuar na lâmina de água que o cerca. Sua forma é bastante simples, mas enriquecida pelo contraste dos materiais e pelo desenho sinuoso que os separa. Assim como os dois estádios acima citados, à noite ele ganha variações de cores com a iluminação.
O terminal 3 do aeroporto de Pequim, criado pelo inglês Norman Foster, também aposta em formas curvas. Com essa obra, o aeroporto passou a ser o de maior área contínua no mundo, mas Foster se desviou do gigantismo com muita entrada de luz e um teto curvo que parece coberto por uma fina rede e é sustentado por alguns poucos pilotis brancos, lisos e muito altos. A sensação ao olhar para cima é a de uma calma vibração.
Os estádios parecem inspirados por obras como o Pompidou de Renzo Piano, em seu jogo do orgânico com o mecânico; a torre é, como o trabalho de Frank Gehry, produto de uma era em que a computação permite ousadias construtivas inéditas; o teatro e o aeroporto herdam a economia de elementos e o uso de curvas de modernistas como Wright, Corbusier e Niemeyer. Cada um dialoga à sua maneira com a cidade onde está e com a cultura chinesa, como no vermelho do Ninho (a cor nacional) ou nas superfícies côncavas do teatro e do aeroporto (que lembram o artesanato em laca e cerâmica), sem ter isso como objetivo central.
Todos os cinco prédios, porém, partilham características como a dimensão monumental contraposta por efeitos de leveza nos ritmos e nas cores, em formas que beiram o literal mas escapam dele. É como se quisessem superar a dicotomia entre a arquitetura "espetacular" e a arquitetura "funcionalista", recombinando-as. São ao mesmo tempo simples e grandiosos, úteis e vistosos. No Oriente, a arquitetura ocidental acaba de escrever o mais novo capítulo de sua história.
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