Um dia depois de a 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entender que não é crime a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação, o ministro Luís Roberto Barroso disse em entrevista ao Estado que o colegiado não defendeu o aborto nem sua disseminação. “É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto”, comentou. O entendimento valeu apenas para um caso específico - de funcionários e médicos de uma clínica de aborto em Duque de Caxias (RJ) -, mas pode servir como base para outras instâncias. “O Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença”, disse o ministro.
PUBLICIDADE
Na sua avaliação, a 1.ª Turma tomou uma decisão histórica?
É uma decisão importante para deflagrar um debate que já não deveria mais ser adiado. Em uma democracia, nenhum tema é tabu. A decisão não defende o aborto nem propõe a disseminação do aborto. É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto. O que a decisão pretende fazer é contribuir para o fim dos abortos clandestinos, que mutilam e levam à morte muitas mulheres.
Mutilam mulheres pobres, como o senhor destacou no voto...
Há duas questões importantes: uma, a questão da mulher em si, da condição feminina e da sua liberdade de viver as escolhas existenciais. Além disso, a criminalização produz um impacto desastrosamente desproporcional sobre as mulheres pobres, porque elas não têm acesso à medicação adequada nem à informação. Portanto, a criminalização funciona no Brasil como mais um mecanismo de discriminação social.
Como o senhor vê a criação de uma comissão especial na Câmara para analisar o aborto, que foi anunciada depois da decisão da 1ª Turma?
Eu acho perfeitamente legítima (a criação). Não acho que qualquer pessoa seja a dona da verdade. Vejo sem nenhuma reserva o debate público a ser feito no Congresso Nacional, lá é o lugar para o debate público das questões nacionais por excelência.
Publicidade
Com a decisão da 1.ª Turma, o STF se coloca mais aberto e sensível a temas delicados, mesmo diante de uma suposta onda conservadora no País?
Os direitos fundamentais devem ser protegidos nos ambientes conservadores, liberais, progressistas. Obrigar pela via do direito penal uma mulher a manter uma gestação que não deseja, eu acho que isso viola claramente a Constituição. A decisão procura fazer com que cada pessoa possa viver a própria crença e convicção. Quem é contrário não apenas não precisa fazer (o aborto), como tem todo o direito de pregar a posição contrária. A única coisa que acho que não é razoável é criminalizar a posição divergente. Portanto, o Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença.
O senhor também mencionou no seu voto o contexto internacional, observando que em muitos países democráticos e desenvolvidos o aborto até o terceiro mês é permitido. Esse novo entendimento da 1.ª Turma insere o Brasil em uma legislação mais atualizada?
Acho que sim. Nessa matéria estávamos em falta de sintonia com o mundo. Ter janelas para o mundo é sempre bom. A gente na vida deve ser janela, e não espelho. Olhando para o mundo, nós vamos ver experiências bem-sucedidas que não são as da criminalização.
E como o senhor lida com as críticas à decisão?
Quando você participa de um debate no espaço público, você não pode utilizar argumentos que excluam o outro do debate. Portanto, se você utiliza um argumento religioso, você exclui do debate quem não compartilha do mesmo sentimento religioso. Portanto, no espaço público, os argumentos de razão pública são argumentos laicos e tratam a todos com respeito e consideração. Esse é quase um apelo às pessoas: ninguém precisa mudar de convicção, é só uma questão de ter respeito e tolerância pela convicção e pelas circunstâncias do outro.
Veja 20 personalidades no Brasil e no mundo que fizeram aborto
1 / 20Veja 20 personalidades no Brasil e no mundo que fizeram aborto
Astrid Fontenelle
Personalidades nacionais e internacionais deram entrevistas nos últimos anos a programas de TV, revistas e jornais contando experiências pessoais de i... Foto: DivulgaçãoMais
Soninha Francine
A ex-vereadora de São Paulo pelo PT, que ficou conhecida como VJ da MTV na década de 1990, é contrária ao aborto mesmo tendo realizado um. Em entrevis... Foto: EstadãoMais
Luiza Brunet
Na biografia lançada em 2014, a atriz contou que já fez dois abortos. O primeiro, aos 17 anos, se deu porque ela queria focar na carreira e se achava ... Foto: Filipe Araújo/EstadãoMais
Whoopi Goldberg
Em um programa de televisão, a atriz americana contou sobre as vezes em que interrompeu a gravidez. Ela exigiu respeito às mulheres que passam pela ex... Foto: Danny Moloshok/ReutersMais
Débora Bloch
Mãe daJulia e Hugo, a atriz falou pela primeira vez no ano passado em entrevista à revista Marie Claire sobre o aborto que fez. Débora tinha 20 anos q... Foto: Marcos de Paula/EstadãoMais
Cissa Guimarães
A atriz também participou da edição de 1997 da revistaVeja, assim como Hebe, admitindo ter feito o procedimento. Em entrevista ao jornalFolha de S.Pau... Foto: Divulgação/GloboMais
Hebe Camargo
Capa da revistaVejaem 1997, edição que tratava sobre o aborto, a apresentadora de TV Hebe Camargo contou que, aos 18, teve a primeira relação sexual e... Foto: Clayton de Souza/AEMais
Marília Gabriela
A jornalista e apresentadora também admitiu ter feito aborto na edição da revistaVejade 1997, estampando a capa. Há dois anos, ela aderiu à campanha d... Foto: Leonardo Soares/AEMais
Sharon Osbourne
A esposa do roqueiro Ozzy Osbourne fez um aborto aos 17 anos e disse que foi o maior erro da sua vida. Após o procedimento, ela sofreu três abortos es... Foto: VALERIE MACON/AFP/Getty ImagesMais
Dercy Gonçalves
A atriz disse na biografia "Dercy de Cabo a Rabo" (1994) que interrompeu a gravidez oito vezes. Ela teve uma filha, Maria Dercimar. Conhecida por ter ... Foto: Acervo Câmara Municipal de São PauloMais
Sônia Braga
No primeiro aborto que fez, Sônia tinha 17 anos, conforme contou à Revista Elle em edição de agosto deste ano. A atriz disse ainda ter recorrido ao pr... Foto: DivulgaçãoMais
Zezé Polessa
Em maio deste ano, a atriz revelou à revista Quem que abortou durante a faculdade de Medicina. Ela havia contraído rubéola na época e decidiu interrom... Foto: Divulgação/TV GloboMais
Cássia Kiss
A atriz Cássia Kiss fez um aborto na década de 1980 seguindo indicação de um casal de amigos. Ela fala sobre a experiência para a Revista Época: “Era... Foto: Divulgação/TV GloboMais
Penélope Nova
A apresentador disse à revista TPM, em 2005, que realizou dois abortos: aos 15 e aos 26 anos. Na primeira vez, ela recorreu ao procedimento aos cinco ... Foto: MTV/DivulgaçãoMais
Sinead O'Connor
A cantora fez um aborto nos anos 1990, sem apoio do namorado na época. Sinead disse que ficou feliz ao descobrir a gravidez, mas o relacionamento com ... Foto: FRED TANNEAU/AFP/Getty ImagesMais
Maitê Proença
Hoje favorável à legalização do aborto, a atriz fez o procedimento aos 16 anos. Em 2008, declarou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo: "Sou a fa... Foto: DivulgaçãoMais
Nicki Minaj
Em uma edição da revista Rolling Stone de 2014, a cantor falou sobre o aborto que fez quando adolescente. "Pensei que ia morrer. Foi a coisa mais difí... Foto: REUTERS/Carlo AllegriMais
Elba Ramalho
A cantora tinha 22 anos quando recorreu ao aborto. Hoje é contrária à legalização. Ela também esteve entre as que estamparam a capa da Veja em 1997 e,... Foto: Alex Rieiro/EstadãoMais
Arlete Salles
A atriz Arlete Salles também contou, na edição da Veja em 1997, que recorreu ao procedimento. Foto: Divulgação/TV Globo
Elke Maravilha
A atriz contou em entrevista à Revista IstoÉ que fez fez três abortos. Ela não tem filhos. "Sempre soube que não tinha talento para isso, que não sabe... Foto: DivulgaçãoMais