PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Por dentro da rede

Opinião|A seção 230 norte-americana

É importante preservar a imunidade que a seção 230 dá ao mensageiro, desde que se trate mesmo de um mensageiro

Atualização:
Mark Zuckerberg, presidente executivo do Facebook, já teve de depor perante o Congresso dos EUA em debate sobre a Seção 230 Foto: Reuters

Quando em 1991 estávamos recém-entrados na internet, houve uma disputa judicial nos EUA sobre a responsabilização de um provedor de serviços, a Compuserv, por abrigar conteúdo de terceiros, eventualmente ilegal. A discussão gerou uma proposta de lei que coibisse, entre outros, o linguajar obsceno na internet. Seguiu-se uma grande reação da comunidade contra essa proposta. Há o eloquente exemplo da “Declaração de Independência do Ciberespaço”, de John Perry Barlow, 1996. Uma versão bastante desidratada do CDA (Communications Decency Act) acabou aprovada em 1996, mas de uma maneira vitoriosa para a internet. Embutida no CDA constava a seção 230, conseguida pela comunidade, que criava “isenção de responsabilidade” para sítios web em relação a conteúdo provido por terceiros. Em espírito, é similar ao item sete do decálogo do CGI, que diz: “O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos”.

PUBLICIDADE

Mal comparando, trata-se aqui da isenção de responsabilidade do mensageiro em relação à mensagem; o famoso “não mate o mensageiro”. Ninguém responsabilizaria o carteiro se a carta que ele trouxe é ofensiva! O ponto crítico nessa analogia é o quanto de “carteiro” há nos diversos intermediários de hoje, o que deve ser protegido, e quais os objetivos finais almejados.

Muitas vozes hoje defendem a extinção da seção 230, passando a responsabilizar os intermediários pelo conteúdo. O risco é que, na ânsia de debelar o que incomoda e prejudica, acabemos por perder um bem maior: o de receber sem interferências o que nos enviam. No caso do correio, isso seria fácil de resolver: sempre culparemos o remetente pelo abuso que cometeu. Mas no caso das plataformas, a “porca torce o rabo”. Por diversas razões, desde modelos econômicos de sustentação até a busca por poder de mercado, usa-se do crescente poder de computação, aliado a ferramentas automáticas de análise de conteúdo, para se oferecer ao público a possibilidade de um “tratamento higiênico” no que chega para ser distribuído. O poderoso “canto da sereia” é: “cuidaremos de seu conforto, usando nossos padrões éticos”. Com isso, os novos “carteiros” se colocam como juízes de valores, e se dispõem a livrar-nos das eventuais mensagens abusivas. Mais que isso, através dos algoritmos que perscrutam nossos gostos, sugerem com quem mais deveríamos interagir para nos sentirmos mais confortados. Como efeito colateral, o verdadeiro remetente acaba ficando no limbo da discussão, quando o alvo primário da justa ira deveria ser quem gerou a mensagem-problema.

Em resumo, é importante preservar a imunidade que a seção 230 dá ao mensageiro, desde que se trate mesmo de um mensageiro! E, se nada impede o carteiro de entregar-nos propaganda de remetentes identificados, não lhe compete filtrar conteúdos, indicar-nos grupos a integrar, ou repassar informações sobre que correspondência recebemos, sob pena de não mais se enquadrar na 230. Para manter a liberdade na internet o espírito da 230 deve ser preservado em seu contexto original, não apenas em parte dele.

Quando um fim almejado estropia arbitrariamente meios que temos para exercer nossos direitos, em breve não haverá saída: estaremos amortecidos quanto ao perigo que nos espreita. Esopo, um escravo grego autor de sábias fábulas, contava que se gritarmos “lobo” falsamente seguidas vezes, quando o lobo real vier já será muito tarde e estaremos indefesos... *É ENGENHEIRO ELETRICISTA

Publicidade

Opinião por Demi Getschko
Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.