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Por dentro da rede

Opinião|Regulação antecipada da inteligência artificial pode resultar em atraso ao País

Parece prematuro discutir eventual regulação da IA em ambiente que já existe proteção

Por Demi Getschko
Atualização:
A tela de um software de reconhecimento facial, em uma conferência em Pequim; inteligência artificial é tema de projetos de lei no Brasil Foto: Damir Sagoli/Reuters (27/4/2018)

Qualquer especulação sobre que futuro nos aguarda, e quais as áreas estratégicas específicas em que investimentos tenderão a gerar efeitos econômicos e sociais para os próximos anos, leva indefectivelmente à discussão da digitalização e das tecnologias de conhecimento.

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A mistura dos reais avanços no poder computacional e algorítmico que observamos (com suas correspondentes ameaças), e da atração que chavões publicitários exercem sobre todos, explica a proliferação de iniciativas e textos sobre temas como o da inteligência artificial (IA). Diversos países empenham- se em desenvolver e implementar estratégias para tornarem-se atores importantes nessa área. A Inglaterra acaba de lançar um plano decenal para fixar-se como superpotência em IA. E no Brasil também estamos começando uma discussão ampla da formulação de uma EBIA – Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial.

Os impactos que a implantação maciça de IA traz serão sempre percebidos em todos os aspectos da vida humana, não apenas os tecnológicos e econômicos, mas os sociais e culturais. A limitada capacidade humana de absorção do que se passa pelo mundo está cada vez mais exigida, e isso é acentuado ao sermos expostos, via internet, à quantidade imensa de informação e ruído que, certamente, não conseguiremos digerir, nem avaliar.

Milan Kundera, em “Um Encontro”, coletânea de ensaios, ressalta que a aceleração da história transformou profundamente a existência individual. Se nos séculos passados “a existência se desenrolava, do nascimento até a morte, em uma única época histórica”, mais lentamente que a vida humana, hoje ocorre o inverso. A história escapa ao homem de tal forma que “a identidade e a continuidade da vida correm o risco de se romper”. É mais um argumento para que se acompanhem as formas e os processos com que essa tecnologia – que nem é tão nova – vai interagir conosco, especialmente com o imenso poder que trazem os progressos da área computacional e de algoritmos.

Parece esperado que em outras frentes se busquem atenuar riscos que venha a reboque, e isso é tanto verdade que já há projetos de lei para tratar do tema e, eventualmente, regular o seu uso. Usando o que se aprendeu com a internet nestes anos todos, parece prudente ir com mais vagar e mais cautela: foram quase 10 anos de debates amplos e abertos até a homologação do Marco Civil da Internet em 2014, e seis anos depois veio a lume a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados. Com essa legislação, sempre muito bem avaliada internacionalmente, o Brasil seguiu sem atrasos e com firmeza na expansão e disseminação da rede.

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As inequívocas vantagens que o acesso à rede trouxe a todos não impediram que se apontassem riscos e abusos, parte dos quais encontram remédio na LGPD. Outras ameaças de segurança somente serão atenuadas com campanhas e esforços perenes na criação de mão de obra técnica, na disseminação das boas práticas, e numa cooperação multissetorial ampla.

Num ambiente em que já temos alguma proteção, seja por leis criadas para o mundo digital, seja pelos princípios constitucionais garantidos, parece prematuro discutir-se já uma eventual regulação da IA. A regra que se mostra sensata é aguardar a melhor definição e desenvolvimento do tema, estimulando-se que o País não “perca o pé” nessa tecnologia, e simultaneamente iniciar debates multissetoriais, a exemplo do que acontece pelo mundo, cuidando da proteção aos potenciais perigos. Tentar antecipar riscos ainda não claramente definidos poderá resultar em perigoso atraso do País nessa arena hoje tão crítica.

*É ENGENHEIRO ELETRICISTA

Opinião por Demi Getschko
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