Desafio do desodorante: governo quer checagem de idade na internet para reduzir riscos a crianças

Secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça prevê ainda criar um canal de denúncias para facilitar remoção de conteúdos nocivos. Ao menos duas meninas morreram no País este ano por conta de desafios online

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Atualização:

O Ministério da Justiça e Segurança Pública defende a verificação etária e a criação de uma central de denúncias como formas de tentar impedir o acesso de crianças a conteúdos inadequados, como o desafio de inalar desodorante que causou a morte de uma criança de oito anos, no domingo, 14, no Distrito Federal.

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“Cada vez mais a internet acaba mostrando esse lado, um crescente espaço de conteúdo extremista, discriminatório, misógino, e a gente sabe que não existe uma internet (específica) para crianças e adolescentes. Ela foi criada por adultos e para adultos”, afirmou ao Estadão a secretária de Direitos Digitais da pasta, Lílian Melo.

A política pública defendida pelo ministério para proteger crianças e adolescentes nesse ambiente digital, segundo Lílian, é composta por três aspectos:

  • verificação etária, para saber a faixa de idade de quem está navegando, preservando a identidade das pessoas;
  • modernização da classificação indicativa;
  • criação de canal unificado de denúncias para conteúdos ilícitos.

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Acesso de crianças e adolescentes à internet: Ministério da Justiça tenta restringir conteúdos. Foto: Chaikom/Adobe Stock

Ela prevê que até o final do ano o governo Lula vai lançar a verificação etária, para saber qual é a idade da pessoa que está navegando na internet. Uma dificuldade nesse sentido, diz, é que muitas famílias dividem o mesmo aparelho celular, por meio do qual tanto adultos como crianças acessam a internet. Ainda não há detalhes sobre como vai funcionar o mecanismo nem como ele será cobrado das plataformas.

“Nossa ideia é ter recursos, soluções como aplicativos, tokens, biometria facial, para fazer verificação etária. Isso permitiria avaliar se o que está chegando às crianças e adolescentes é compatível com a idade dela. Hoje não existe nenhum tipo de cuidado quanto a isso, existe uma só internet. Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente precisa ser aplicado ao (mundo) digital”, afirma a diretora.

Antes de assumir a Secretaria de Direitos Digitais, no ano passado, Lílian ocupava o cargo de assessora especial do ministro Ricardo Lewandowski no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Entre os anos de 2021 e 2023, auxiliou Lewandowski no Supremo Tribunal Federal (STF). Ela também foi pesquisadora visitante da Faculdade de Direito de Harvard no Institute for Global Law and Policy (IGLP).

Investigação dos crimes digitais

A fiscalização e investigação dos crimes digitais não cabe à Secretaria de Direitos Digitais, mas em um setor da Secretaria Nacional de Segurança Pública e, principalmente, à Polícia Federal, explica a diretoria Lílian: “No Ministério da Justiça nós temos dois espaços de monitoramento contra crimes (digitais), que fazem monitoramento de redes e identificação de suspeitos, principalmente em casos como incentivos a desafios, automutilações. Sempre tem um mentor, e é preciso identifica-lo”.

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Lílian ressalta também a importância do diálogo com as empresas responsáveis pelos conteúdos na internet: “Não adianta só investigar, a gente tem que retirar esses conteúdos do ar imediatamente, com cautela, porque a gente precisa desses dados como prova num processo penal”.

Para Lílian, condutas ilícitas precisam ser eliminadas dos meios digitais. “Uma coisa é a discussão sobre o conteúdo que é ou não adequado para crianças e adolescentes: se pode ou não ter nudez, acesso a bebida alcoólica, cigarros. Outra coisa é o conteúdo ilícito. Isso é inaceitável, precisa ser reprimido a qualquer custo”, afirma. “A gente jamais normalizaria esse tipo de comportamento no mundo analógico e também não pode permitir no digital.”

Lílian cita regras estabelecidas por outros países: “O Reino Unido adotou uma lei que obriga verificação etária para sites de pornografia. A Austrália proíbe redes sociais para menores de 16 anos. Tudo isso só funciona se tiver verificação etária. Se as empresas estão fazendo para outros países, podem fazer aqui também. O Brasil é um país central na discussão digital. Somos o terceiro (maior) país do mundo em uso de redes sociais”, avalia.

Combate à radicalização online

Em entrevista ao Estadão, a pesquisadora Michele Prado, uma das maiores especialistas do Brasil em combate à radicalização online, criticou a falta de lei específica contra o extremismo online e a estrutura insuficiente de Estados e governo federal para combater grupos de radicalização de jovens. Michele atua nas duas pontas - investigação de canais extremistas e alertas para autoridades e sociedade - e já ajudou a localizar neonazistas, indicou a conexão entre atentados em escolas e subculturas online e apoiou polícias e promotorias com informações.

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“Na parte legislativa, precisa, para ontem, de um projeto de lei para regulamentação do extremismo violento e terrorismo online. Específico para isso. Objetivo, técnico, para ao menos começar a derrubar certos perfis e conseguir recursos para as agências”, disse.

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